terça-feira, 1 de outubro de 2019

Krugman na Foha no dia 1 de outubro

Como afirmou Paul Krugman, governos como o de Trump e seus congêneres subalternos e igualmente acanalhados fazem "guerra do governo contra a competência". Os segmentos subalternos que acham que sabem, que possuem uma pretensão de saber muito maior do que suas pernas alcançam, em geral, levas de ressentidos, como certos ministros por aí, estão usando o acesso ao poder para se impor a despeito do sistema de meritocracia. São raivosos, ressentidos e arrogantes com baixíssimo capital informacional e científico. Em geral, são assim. E agem para destruir o que não é espelho. "Trump para todos os efeitos vem travando uma guerra contra a competência" (Paul Krugman). E é o modelo que os subalternos raivosos, ressentidos e de baixo capital informacional também querem impor por outras paragens. Quando serão destituídos desses ímpetos de promover a ignorância como ferramenta de desgoverno?

sábado, 21 de setembro de 2019

O consumidor de sensações como cliente da universidade

Nos anos 1930, consolidou-se uma nova revolução científica e com ela uma mudança estrutural das relações entre organizações acadêmicas, científicas e governamentais. O pós-Segunda Guerra, principalmente na década de 1950, foi decisivo para o que entendemos hoje por Universidade. Contudo, novos tempos parecem querer varrer a construção desse sistema mundial de uma vassourada só. Os teóricos da nova gestão de pessoas, no capitalismo flexível, desorganizado, em rede, fazem dos afetos, dos abraços, das relações interpessoais e da mobilização de amizade e confiança no mundo da empresa questões cruciais para os novos tempos de flexibilidade como re-existência. Quando percebo que os segmentos da esquerda dita mais radical atuam com os vocabulários das novas teorias de management, formuladas a partir de 1990, afeta de modo agudo minha melancolia diante da cooptação operada com sucesso em nome da promessa de sucesso individual, que se expressa com retóricas coletivistas. É impressionante observar como as demandas de novas relações afetivas contra o enrijecimento abstrato e hierarquizante da organização moderna usa vocabulários de nova gestão que convergem com os vocabulários da nova esquerda. A hegemonia neoliberal se deu pela esquerda e não pela direita, num sentido histórico. As ideias de abraço, afeto, amizade e liberdade na empresa foi fundamentalmente a linguagem da esquerda libertária realocada em novos contextos de gestão de pessoas e não mais de RH. O afeto, a gratidão, o abraço, a amizade, a festa, o homo ludens como base da participação, enfim, tudo isso que as esquerdas ditas radicais praticam no cotidiano das organizações é a guinada neoliberal em ação. A ideia dos anos 1990 de uma empresa a serviço do consumidor atingiu a universidade em cheio. O desejo de estar na universidade como cliente-consumidor de experiências subjetivas, de realização de sonhos e de fantasias, se tornou a condição mesma da matrícula em expansão. A universidade como um lugar de consumo de sensações em contraposição a uma universidade dura, opressora, centrada na ideia de trabalho científico e de estudo com aspirações de carreira acadêmica ou profissional prevaleceu na luta pelo imaginário. Quando se fala hoje em "acadêmico" e em "formação profissional" na universidade, as reações são imediatas, reações em defesa do lazer, do bem-estar mental, do não trabalho, da experiência de comunhão entre singularidades no múltiplo, enfim, um lance bem excludente, um novo tipo de exclusão. Esquecem inclusive que o novo liberalismo é justamente um crítico do sistema de meritocracia social-democrata, pois racionalizador e baseado em noções de segurança e estabilidade dos quadros, não deixa as liberdades individuais sonharem. No universo geral de clientes que agem como consumidores de sensações na universidade, há uns poucos que entendem os princípios da teoria do capital humano e que vão orientar seu consumo para bens e serviços que são investimentos para a aquisição de mais capital educacional e científico, apenas estes serão os empreendedores. Há então um serviço educacional para o consumidor de sensações e outro para o empreendedor. (Não estou defendendo isso, mas analisando). Pode-se perceber que para o estudante consumidor de sensações, não se pode fazer cobranças por resultados, pois isso faz parte do sistema anterior de opressão. Ocorre que não se percebe que o novo sistema de opressão opera com a noção de que o estudante consumidor de sensações será valorizado pelo entusiasmo com que participa de atividades animadoras e mobilizadora das equipes formada por clientes-estudantes. Poucas equipes irão mesclar as duas formas de gestão, mantendo resultado e participação como critérios de avaliação do desempenho. Para a maioria, a questão da competência é coisa do passado. Tempos de transmissão de atitudes participativas características do Homo ludens contra o Animal laborans? Envolver o cliente-consumidor de sensações num universo de atividades por projetos que alimentem os sentimentos de sedução e excitação, de estar vivenciando atividades de colaboração participativa, remunerando os membros da equipe com validações que vão ao encontro de suas ansiedades por status e visibilidade. Fazer com que o cliente-consumidor de sensações se sinta bem, livre, entre amigos, abraçado e acolhido. As novas teorias de gestão de pessoas da década de 1990 descrevem bem essas práticas e esses modelos prescritivos.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Nada de indulgência

Ser indulgente com o outro como forma de compensar algum tipo de história de privação que marca o outro é reforçar a exclusão. Romper com a indulgência e com a autoindulgência é fundamental para a emancipação que se busca. O desejo de poder possui muitos disfarces, é repleto de ardis. A subalternidade é reproduzida pelo paternalismo, pele assistencialismo e pelo prêmio compensatório, que cega o outro na cegueira da paixão. Um tipo de violência que pouco se compreende como violência, pois uma violência cheia de sorrisos, abraços, afetos e palavras bonitas. A armadilha nem parece ser uma armadilha. Parece ser a própria re-existência e potência. Mas no fundo é subalternização, exclusão e apagamento. Rejeitar o brilho, recusar o lugar que o bondoso oferece para o outro possa estrelar, romper com o desejo de celebridade que é próprio do subalterno quando capturado pela subjetividade narcisista e acumuladora de likes do opressor, enfim, são muitos os desafios. Nenhum é fácil de ser enfrentado. Mas precisaremos de alguma honestidade para ultrapassar esse imbróglio paralisante.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Ganhadores

A cada dia, minha tendência é acordar relinchando e dando coice. Por isso, preciso estudar muito. Não posso me dar ao luxo das celebridades, que brilham sem ter trabalhado duro. O estrelato não foi feito para mim. Tento não cair abaixo da linha de mediocridade intelectual. Tento ficar na linha e aqui e acolá ficar um pouco acima dela. Leio muito o que minhas colegas e meus colegas escrevem, para não ficar por fora dos lances interessantes que levantam. Mas quem nasceu genial é para brilhar, o que não é o meu caso, graças a deus. Nasci para ralar e viver com acumulação negativa de capital. Ser perdedor faz parte da minha vitória existencial. O universo dos ganhadores é assustador. É repleto de sujeitos tóxicos.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Recusa anti-intelectualista

A recusa anti-intelectualista da vida acadêmica durante anos e anos por parte de militantes de esquerdas na universidade deu uma ajuda substancial para o bolsonarismo ter força para destruir o que resta de vida acadêmica no país. Houve uma continuidade, mesmo que por motivos diferentes. O preço a ser pago está sendo altíssimo. Esquerda e direita agiram para esvaziar o sentido da vida acadêmica, a primeira pela negação de aderir ao "produtivismo", a segunda pela redução da universidade a quem aderiu ao "produtivismo" negado pela esquerda. A universidade foi implodida nessa convergência estranha de dois tipos de anti-intelectualismo populista. Tempos sombrios.

Anarco-comunista

Hoje, acordei com vontade de dizer a verdade, mas é temerário dizê-la em tempos sombrios e ditatoriais como esses. Mas sim, sou comunista. Sempre achei tão bonito ser comunista. Mas não sou comunista do partido, do estado nem do capital. Sou anarco-comunista. Bonitinho, né? O problema é que a gente não faz nem cócegas no sistema do capital-estado. Somos meio café com leite. Nem fede nem cheira como diz aqui na minha terra. Mas tenho a impressão que se a gente não voltar à ação direta contra o sistema do capital e da sua representação política, seja de esquerda ou de direita, a gente vai morrer na praia. Se bem que morrer na praia é uma morte bonita, né?

Estado e mercado universais

Quando a ex-querda consentiu que "economia de mercado" e "estado" são componentes universais da vida social, desrealizou o campo das lutas anticapitalistas e foi punida pelo poder senhorial a quem prestava serviços e homenagens. Achavam que iam ser admitidos. O caso de Lula é dramático nesse sentido. Quando a maioria da esquerda deixou de ser anticapitalista, o campo ruiu. Tornou-se desnecessário, pois a única esquerda possível passou a ser a do liberalismo social. E o liberalismo social perdeu historicamente suas condições de realização. Estamos vivendo uma situação inusitada, a direita está incitando a esquerda a voltar a ser anticapitalista, mas a esquerda capitalista não quer largar o osso que é garantido por participar do sistema de representação política/corrupção, que é o modo de manter o separado ainda mais dividido.

Uma censura e tanto

Só tem uma coisa interessante nesse lance todo. A direita finalmente censurou a ex-querda. Esta está desautorizada a ser a proprietária das "soluções capitalistas". Solução capitalista é coisa da direita, diz a direita com ênfase, tentando convencer a esquerda a se contentar em ser anticapitalista, mas a ex-querda não quer, deseja muito manter a hegemonia sobre as soluções capitalistas. Ou seja, não é vitória da direita, é a ex-querda que derrotou a si mesma. E a tal da governabilidade não passava de uma fantasia, fantasia em nome da qual se fez de tudo para não haver luta contra o sistema do capital.

Rebaixamentos entre vergonha e orgulho

Nos últimos tempos, o rebaixamento de expectativas de realização foi a principal arma do sistema de opressão. Mas isso já é usual desde a segunda metade do século XIX, pelo menos. Contudo, houve uma novidade. Fazer com que o rebaixamento da expectativa de realização de sentido e valor seja celebrada pelo agente posto em subalternidade como motivo de orgulho. Ou seja, fazer com que pessoas se sintam realizadas na desrealização. Desde 2014, esse procedimento entrou em pane. O orgulho do subalterno na desrealização vivenciada como fantasia de sucesso foi quebrado. Voltou-se a outro modo de subjetivação no contexto da sujeição que faz com que as pessoas voltem a acreditar que cada qual deve estar no seu cada qual, cada um se realizando como pode, onde pode, onde é autorizado. A celebração do "eu sei o meu lugar" é um dos gozos mais estranhos, mas está em oposição ao outro gozo que projetava de modo fantasioso um lugar seu que não era o seu de fato nem de direito (na chave hegemônica). Entre vergonha e orgulho, as classes populares e as "classes médias" de ocasião mergulharam numa profunda queda em direção ao nada, do nada ao nada. O pior é que isso nem sempre tem servido como movimento de tomada de consciência da condição proletária, que é justamente marcada pela nadidade. O ser é o senhor. Os outros são o nada. O medo de tocar nesses assuntos delicados tem impedido a maior parte de intelectuais insurgentes de problematizar a situação contemporânea.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Fazer apelos?

Ser de esquerda virou ficar fazendo apelos nas redes sociais, nas bolhas de esquerda, para que os dominantes brutais deixem de ser dominantes brutais em nome da Razão. E os dominantes brutais continuam dando gargalhadas, desafiando para a briga, dizendo: pois, venham nos impedir! E a esquerda posta alguma selfie no Instagram para descarregar a emoção de quem é integrado e depois voltar a fazer apelos para que os senhores da guerra se tornem bonzinhos e amáveis. Ser de esquerda é isso? Fazer apelos? É ser cínico e ridículo ao mesmo tempo?

O bicho vai pegar

E o pessoal que adora estar em evidência, ser celebridade, mas que foge do trabalho de base como o diabo foge da cruz? Vivem aprisionados por fantasias fragmentadoras e sem conexão com suas condições proletárias. O desejo de não ser proletário e de ser um consumidor competente rico e integrado se tornou fonte de muito adoecimento psíquico. O orgulho proletário, base da resistência do trabalho vivo contra o trabalho morto, foi destruído pelo liberalismo social. Para muitos, a universidade em vez de ser preparação para o mundo do trabalho virou refúgio contra o mundo do trabalho, pois o mundo do trabalho é, em geral, o lugar da desrealização maior. Ocorre que é também o lugar da luta do trabalho vivo contra o morto. Por vezes, a Universidade funciona como fuga disso. Como se fosse possível se exiliar no campus. Aí, quando o campus atua como organização do trabalho, desperta ansiedade e angústia. Faz tempo que já é empresa, mas apenas agora que a moratória está ameaçada que um monte de gente está se desesperando. O bicho vai pegar. Vai ser um massacre. O capitalismo sempre foi pós-trabalho. Isso inclui estudantes e professores. A fábrica adoece. Mas se pode lutar contra ela, fazendo da disciplina da fábrica a base da contra-disciplina revolucionária. Sair da crise, que é uma crise da esquerda, vai depender da reemergência de lutas anticapitalistas desde baixo e contra quaisquer hierarquias controladoras com suas cúpulas ávidas por acumulação. O boicote da ex-querda às forças antissistêmicas produziu o bolsonarismo como continuidade do dilmismo e do lulismo. São continuidades impressionantes, só troca de sinal. Opostos complementares. O afundamento da possibilidade de recusar o existente é a continuidade. É a luta contra o existente e não a conciliação com o existente que vai dar o rumo a seguir.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Agosto de 2019 se aproximando

Uma crise terrível se avizinha, pior do que a de hoje. Agosto e setembro serão meses de muita desrealização e empobrecimento. A pobreza vem à galope. Sem falar nas notícias informais cotidianas sobre o muito adoecimento das pessoas próximas. Agosto já chega com sabor de desespero e morte. Não sobrará pedra sobre pedra do quadro mental já em decadência. Os silenciamentos e as paralisias estão dando o rumo dessa ladeira abaixo. O horror. Estamos em queda livre, do chão não passa. Brasil, país da fome, da desigualdade e da arrogância dos senhores brutais, alimentada pelas quimeras dos remediados, que com eles se identificam. Brasil de perdas e destruições. De escravidão e colonização. De crueldade e injustiça. De morte e de mais morte. O fim da picada. Acabou-se. A terra de ninguém venceu e venceu novamente. Agora é acompanhar como se morre só. Inclusive, os que bradam de modo ignaro pelo próprio apagamento. O preço a ser pago é com a vida. Os ricos estimulando a guerra entre ricos e pobres no BR, provocando o acirramento da luta de classes, de cima para baixo, usando o governo para aumentar tensões, oposições e contradições, e a ex-querda pedindo para pararem, pelo amor de Deus. Pedindo para os poderosos voltarem a respeitar o pacto civilizatório. Pedindo penico. Pedindo paz e amor. Pedindo respeito à república, à democracia e ao direito. Pedindo de joelhos. Implorando para o Senhor deixar de ser brutal. Parece piada, mas não é. Com uma ex-querda de bosta dessas, os ricos sádicos e violentos continuarão rindo e gargalhando da palhaçada, os palhaços somos nós.

terça-feira, 23 de julho de 2019

militâncias e militâncias

As militâncias partidárias que se autonomeiam "de luta" atuam na prática como acumuladores de capital simbólico. Possuem várias formas de proteger a pretensão ao monopólio de fala e representação que produzem em torno de entes e processos moldados para funcionar como armas de conquista do Estado ou de criação de um novo Estado. Os movimentos que manipulam nessse sentido ficam tutelados e cautelados pelo acumuladores "de luta" que convertem os títulos de propriedade de pessoas e coletivos em capital eleitoral, reforçando e reproduzindo o plano de desigualdades do sistema de capital do Estado . Por isso que a luta contra o sistema de representação (ou seja, de dominação) é também contra as pretensões estatais e capitalistas dos que se dizem de esquerda, mas atuam como a Lava-jato. Com a mesma lógica excludente. Inclusive a Lava-jato lembra muito o modo petista de fazer política. São bem semelhantes. Bem como a lógica psolista de captura dos movimentos que repete o petismo. A luta por democracia real é desde baixo contra quaisquer forças que se arvorem como dominantes no sistema do capital.

mercados e mercados

Grosso modo, as ciências sociais funcionam como um mercado. Faz-se investimento para capitalizar, impulsionando trajetórias de empreendedores ganhadores. Altamente elitizado, com marcadores de raça, etnia, gênero e classe bem atuantes nas reproduções de desigualdades regionais e de capital acadêmico em geral. Do ponto de vista de classe, é um mercado relativamente aberto para quem vêm de classes populares, pois menos competitivo, se comparado com outros mercados acadêmicos que são monopolizados por brancos, homens e ricos. Contudo, os poucos indivíduos de classes populares que ascendem socialmente pela inserção no mercado das ciências sociais, rapidamente, passam a atuar como classes médias letradas urbanas bem integradas, com raras exceções, seguem o padrão dominante. As análises e as críticas formuladas são, em geral, domesticadas e moderadas. Giram em torno de alguma versão de social-democracia. Os indivíduos buscam brilhar, se destacar, dominar o mercado, mas tudo muito endógeno e periférico. Uma vaidade que marca a illusio do campo e que é sintoma de que somos café com leite. Classes médias urbanas letradas, tentando permanecer nessa posição, conservando um estilo de vida intelectual que se afirma como estando próximo das elites globais. Não é só isso, mas é isso também.

O ponto de partida é desacreditar

O importante é não acreditar, não sentir esperança, não investir nada no plano imaginário, não ter expectativas que envolvam valores e sentidos atribuídos, projetados como fantasias de grupo, no mítico. Viver diretamente nos fluxos do real, recusando o imperialismo da linguagem dos socioletos. Teve esperança, caiu na armadilha, na escravidão das utopias. Negar as utopias e suas consequências totalitárias é um bom ponto de partida. Não dar respostas, um bom ponto de chegada.

ah, o Nordeste!

Sou paraense. Filho de cearenses. Neto de pernambucanos e cearenses. Bisneto, trineto e tataraneto de nordestinos dos sertões. Casado com uma cearense de mãe paraibana e avós paraibanos e pai e avós cearenses. Meus dois filhos são cearenses. Se vierem com ignorância, que venham armados. Nos últimos cinco séculos, a gente mora por aqui nas mesmas paragens. Se vier em paz, tem café com tapioca e muitos livros, muita música, arte e cultura. E pouso certo. Mas também tem rebelião e revolução. Basta estudar um cadinho de história do Brasil.

Sobre lugar de fala em tempos sombrios

Sinto que o lugar de escuta é mais transformador do que o de fala. Escutar pode ser mais ativo do que falar. A passividade da escuta é uma falsa suposição. Quando o lugar de fala está repleto de ansiedades de status e de desejos de ser dominante, de querer ser aceito pelo dominante, ratificando os modelos competitivos e agressivos de conquista de posição e poder, de acumulação de riqueza, ele se torna um instrumento, um método, de poder e conhecimento que reproduz os pressupostos hegemônicos do sistema de dominação, devido justamente ao desejo oculto ou aberto de ascender ao campo do poder, a ser membro da classe dominante, a ser tão poderoso, capitalizado e temido como os senhores espoliadores. Se tornar um novo segmento da classe senhorial é um ação de poder que se esconde por vezes com a capa das retóricas liberais do empoderamento. Quem luta por poder, sucesso, dinheiro e prestígio, repete recursivamente a linhagem dos dominantes. Uma falácia que se espalhou como poeira nos olhos depois de um redemoinho de vaidades atiçadas. A vontade de poder cega.

Unidade progressista é...

Sou contra a "unidade progressista" do Andrade, proposta em artigo na Folha. Sou a favor da falta de unidade, totalidade e identidade. Contra processos de unificação, totalização e identificação. Contra hierarquias da ex-querda e seu desejo de representar o sistema do capital. A favor da an-arché.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

24 de junho de 2019

Brasil está quebrado, parado, empobrecido, adoecido e muito mais desigual. Em depressão coletiva. Apenas os muito ricos estão lucrando com a crise. Se continuar assim até 2020, acho que haverá uma explosão de violência no país. Se é que já não começou. Muito desemprego, miséria, pobreza da grande maioria, privilégios dos já poderosos e ricos intocados, falta de democracia, muitas armas e cabeça quente. Estamos numa queda perigosa demais. Elites vão provocar o caos para justificar autoritarismo exacerbado.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Caminhão de som

Fizeram a maior repressão policial aos movimentos sociais e aos protestos populares da história. Criminalizaram a luta. Se engajaram no sistema de corrupção da burguesia, realizando o mesmo tipo de jogo de poder que PSDB e PMDB faziam. Não aceitaram críticas de ninguém. Desqualificaram críticas de esquerda. Abraçaram em nome da governabilidade o pior conservadorismo. Fizeram as alianças mais espúrias em nome de um projeto de poder que não aceitava alternativas. Enfim, foram super arrogantes, iniciaram uma crise gravíssima com cortes absurdos da área social. Sofreram um golpe de seus próprios aliados. E agora são os campeões da democracia brasileira. Sinceramente, estou fora. Principalmente, com esses protestos altamente aparelhados como foi o do dia 14. Aparelhamento clientelista a mil com líderes monopolizando a fala da altura de seus caminhões de falar mais alto. Um horror. Saí correndo de lá super triste. Vamos continuar reféns dessas mitologias políticas que se chocam em nome de quem manipula mais. Para mim, a luta por democracia real é desde baixo e contra os de cima. Sejam vermelhos ou amarelos. Não sou neutro. A luta para mim é contra o sistema do capital e seu Estado.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Embrutecimento favorece a ordem

O cotidiano está tão embrutecido que as pessoas não respondem mais a um bom dia. A gente sente o clima das coisas no ar, no dia a dia. As raivas das pessoas vêm à tona, procurando alvos sobre os quais descarregar sua emocionalidade fraturada. Se os laços já eram frágeis, agora estão virando pó. Mas, ao mesmo tempo, há uma maioria silenciosa bem enquadrada, o que não quer dizer que evite algum tipo de explosão desvairada contra o que quer que seja. E os falantes continuam pedindo para as autoridades constituídas fazerem aquilo que a população deveria fazer, destituir as autoridades constituídas. Quanto mais os falantes pedem ordem, pedem que as autoridades resolvam o problema, mais impotentes estaremos. É que nem o lance de mito para cá e mito para lá. Uma polarização entre mitos políticos é o status quo, mostrando sua força.

O esfacelamento do ethos burguês

O ethos burguês foi constituído a partir da conjunção de dinheiro, poder e intelecto. Parece que estamos vivendo em tempos pós-burgueses. O burguês era astuto. Agora, entregou-se ao papel de um violento trapaceiro. Sempre foram agressivos, mas não eram tão burros. O capitalismo contemporâneo é a vitória da estupidez, é autodestrutivo a enésima potência. O capitalismo financeirizado e desorganizado está minando as próprias condições de funcionamento da acumulação privada de capital. A crise maior é do campo das esquerdas, que não sabem o que fazer, pois estavam acomodadas a uma realidade que foi minada pelo próprio andar de cima do sistema.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

A representação da polícia

Ser de esquerda é querer ser representado por quem chama a polícia contra os movimentos? O próprio movimento elege a polícia como instância de organização da experiência nula. Que esquerda masoquista, hein? Que desejo de monarquia imperial stalinista, de ter um Grande Papai que cuide dos desamparados, abastecendo-os de modo clientelista e com paternalismo de abraços e sorrisos, de sentimentos e afetos. Pior do que o retrocesso do bolsonarismo é o retrocesso da esquerdinha desamparada, que se acerca do autoritarismo, acreditando que o autoritarismo é um traço apenas dos outros. Triste demais!

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Compartilhar o infortúnio

Nós, humanos, acreditamos piamente que compartilhar com os outros nossos infortúnios é uma forma de mitigá-los. Por isso, não abrimos mão de relatar nossa infeliz existência uns para os outros. Sem falar que os mais infelizes costumam ser o que se obrigam a manter uma fachada de observância das convenções, mesmo quando o sujeito está em processo de franco desmoronamento.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Ah, a universidade!

O uso de uma imagem negativada do campus universitário público como um lugar de devassidão moral tem sido a principal arma da restauração populista conservadora contra o sistema público de ensino superior. Difundem com rapidez e eficácia junto à população que a vida no campus é de orgia, drogas, desperdício de tempo e recursos. Mal sabem que as universidades públicas são organizações altamente hierarquizantes e disciplinadoras. Lugares de produtivismo do capitalismo universitário. São empresas no sentido neoliberal de produção de subjetividade que atue como capital humano. A universidade hoje é uma empresa que empresaria mão de obra para outras empresas, ensina a forma-empresa requerida pelas tendências neoliberais do capitalismo flexível. Como um lugar de produtivismo pode ser representado como lugar de desperdício e falta de normas? Um lugar hiper normatizado, normalizado, marcado pela lógica da concorrência e da rivalidade, um lugar "moderno", sendo representado como "primitivo". Que imagem estranha é essa de uma universidade de "liberação". É mais gaiola do que "liberação".

Ah, a sociologia!

Estava conversando com um bolsonarista, quando ele perguntou o que eu fazia. Eu disse que era sociólogo, professor de sociologia. Ele ficou inicialmente em silêncio. Aí, eu o provoquei. Parece que o presidente não gosta muito da sociologia, não é? Ao passo que ele me retrucou: "sim, pois vocês falam demais. Não deixam o homem trabalhar. Vocês atrapalham. Falam muito. Ele está fazendo o que tem de ser feito para melhorar". Meu interlocutor, no caso, é um homem do povo, trabalhador, evangélico, negro, pai de família, ex-lulista. O interessante é que no final da conversa que tive com ele, ele falava pelos cotovelos, expressava muito a opinião dele, altamente comunicativo, e me disse que tinha gostado de dialogar, pois sem diálogo não havia solução. É o que o Habermas chama de contradição performativa na teoria da ação comunicativa. Ele dizia que a gente falava demais, mas era ele quem falava demais. Dizia que a gente atrapalhava por querer dialogar, mas defendia o diálogo, contanto que fosse em concordância com o presidente da República, que estava no caminho certo. Interessante, né? Sociologicamente, interessante, quero dizer.

terça-feira, 23 de abril de 2019

O vacilão em evidência

Tem pessoal que acha que vida acadêmica é brilhar em eventos. São especialistas em letreiros. Deixem de enrolação. Vão estudar! Aproveitem a crise para estudar. Mas ainda tem um pessoal que acha que pode virar estrela da noite para o dia. Agem como se estivessem no estrelato, mas mal começaram, mal chegaram. Sequer mostraram para o que chegaram. O recém-chegado que vira estrela. Pessoal cansativo da porra. Adota estilo celebridade sem ter onde cair morta, a pessoa merece piedade? O pior é que usam a linguagem do espetáculo e do capitalismo cognitivo como se fosse uma revolução. Só se for a do atraso. Uns 50 anos de atraso. Deixem de se passar. Não vão chegar a lugar nenhum assim. É preciso aprender a se fingir de morto para sobreviver. Não tentar estar em evidência. É o pior caminho. Tentar ser socialmente agradável é uma merda. Redes que caem em duas semanas. Alianças que duram nem um ano. Trapaças embaralhadas aos sorrisos, tudo isso mata, e mata rápido. O que salva é a luta do trabalho vivo contra o trabalho morto.

Capitalismo universitário faz mal para a saúde

Há o que alguns autores chamam hoje de "capitalismo universitário". A universidade na forma-empresa. Uma injunção que tem de ser enfrentada por todos. Contudo, há os acumuladores, os empreendedores, os agentes que funcionam como pequenas mãos desse capitalismo de empresariamento de recursos humanos e gestão de competências. Os grandes comedores são grandes acumuladores nesse processo. Os que querem abraçar tudo, querem estar em todas as instâncias, não querem ficar de fora de nenhum campo de decisão. São os agentes do adoecimento e da morte. E muito cuidado, pois em geral são simpáticos e calorosos. São carismáticos, populistas. E são homens brancos cuja fala se sobrepõe a de todos. Falam mais alto. Falam com o poder de mando na cabeça. Seja real ou suposto. Não deixem que colonizem suas agendas. Uma agenda acumuladora que engole as agendas dos "parceiros" não é uma agenda parceira. Saiam de perto de agendas comedoras. O grande comedor é tóxico.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Em nome da luta

Acho lamentável quando usam retóricas militantes e ativistas para mascarar percursos individualistas de mobilidade social ascendente. O desejo de poder e a ansiedade de status falam linguagens de coletivos "de luta". Manipuladores do déficit. Capitalismo militante com máscaras de sorrisos e afetos. O coletivo como trampolim de poder. Nas igrejas e nos partidos. Neoliberais, de fato.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Ungidos para a morte

Notícias de uma segunda-feira pela manhã: mercados de armas muito aquecidos, desemprego nas alturas. Muitas armas e muito desemprego. A nova era. A boa nova. Governo ungido. Homens brancos, mais velhos, que ganham acima de 5 salários, evangélicos, sulistas, defensores de violência em nome de Jesus. É o único perfil nesse momento que apoia muito o governo ungido para a morte. Os próximos 8 anos serão de muita destruição. Essa autopunição infligida pelo brasileiro a si mesmo. Uma vontade de se aniquilar, de exterminar sua própria vida, algo que produz mais adoecimento, miséria e morte.

domingo, 14 de abril de 2019

Double Bind

Como professor e pesquisador, se chamo um estudante para o jogo, estou chamando para a lógica concorrencial do mercado, para ser precariado, mas se eu não chamo para o jogo, eu o estou excluindo da possibilidade de ser precariado. Se eu chamo para a luta, para a luta contra o sistema, não tenho cacife para tanto, afinal, quem sou eu e onde estou para chamar os outros para a luta? Um mato sem cachorro. Uma vida de contradições. Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come. De qualquer modo, chamo para ser precariado e para ser da luta ao mesmo tempo, mas não é fácil, uma coisa nem outra, pra ninguém. Não há solução viável nesse contexto atual. Mas, e aí? Vamos partir para um tudo ou nada? Sei lá, não faço a menor ideia. Minha única certeza é que o ódio ao existente é condição de liberdade.

Liberdade, igualdade e solidariedade.

A governança neoliberal do capitalismo desorganizado depende da desdemocratização para funcionar. Neoliberalismo rima com autoritarismo. Até a democracia liberal mais água com açúcar é tratada como inimiga. A adesão imediata ao neoliberalismo revela um profundo desejo de morte e autoritarismo. Todos contra esse regime de desigualdades e crueldades. A luta por democracia real é uma luta desde baixo contra os senhores da guerra e seus prepostos. Educação, saúde, alimentação, moradia e muita arte garantidos para todos, sem exceção. Contra os mercados da morte, nos insurjamos.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Capitalizar a falta de capital

As pessoas estão se sentindo mais respaldadas pelo atual contexto em não mudar seus hábitos, em não aceitar críticas, querem permanecer nas caixinhas sem ser questionadas. A atividade da educação está sendo rejeitada pelas pessoas com baixo ou médio capital informacional, estão se protegendo usando o fato de que são representadas pelo governo federal. Já notei isso na minha experiência de sala de aula. O atual governo valida o mediano em seu orgulho de si, permite esse orgulho de si em situação de incompetência arrogante que se desconhece como incompetência. Muito crítica a situação intersubjetiva da educação no país. Pessoas com baixíssimo capital educacional e cultural usam o estilo bem adaptado, o estilo "sou da ordem, bem adaptado" para cobrir o déficit de competências e habilidades de suas formações de baixa qualidade. Estão usando a adesão à normalidade adaptativa como recurso de sobrevivência, pois não tem outros recursos para competir no mercado altamente concorrencial. Deste modo, pessoas com baixa competência estão assumindo posições de mando e chefia em todas as organizações, começando pelo governo federal. Basta se mostrar da ordem, adaptado, que corre junto com as armas e as suas empresas, se vestir de chefe, se vestir de Deus, e vira dominante. O neoliberalismo na sua versão descamisada é uma forma de capitalizar a falta de capital para aparentar poder capitalizar o capital que não se tem, mas se deseja ter. Pessoas que ascenderam de posições excluídas para incluídos subalternos durante o grande RH dos governos petistas, hoje estão em posições que eram de seus chefes e estão muito orgulhosas, pois deram a volta por cima e desbancaram politicamente indivíduos que não teriam como desbancar na lógica concorrencial do mercado. Usam a política para defender o neoliberalismo de Estado, o neoliberalismo para inglês ver.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Hipóteses infernais

Por que as altas faixas de renda são as que mais aprovam o governo do destroço? São homens brancos, velhos, ricos, rentistas, patrões, que são beneficiados pela desregulamentação, entre outras características, como racistas, autoritários, defensores de um regime de morte para os que vivem escravizados por eles. Esta é minha hipótese. Posso estar enganado, cientificamente falando, mas politicamente, acho que não estou. O atual governo é um governo de exclusão aberta e deslavada. Como ainda não estouraram protestos generalizados contra isso? A Argentina, seguindo as receitais dos bancos, está na miséria. O Chile, que foi o campo de ensaio do neoliberalismo autoritário, desde 1973, gerou uma massa enorme de sofrimento social, suicídios, adoecimentos e morte, lá eles estão desfazendo o que fizeram e que é modelo para os de cá. A luta contra a governança neoliberal é literalmente contra as políticas de morte e extermínio que estão reservadas para os que são classificados pelos brancos ricos como "fracassados" e contra a pauperização crescente das classes médias, que é algo que acomete também os EUA. Precisamos minar as bases de circulação do discurso neoliberal com sua face encantatória, que seduz até o típico "fracassado", que se acha alguém de sucesso, sem ser. Não há sucesso em uma sociedade de criminosos alimentando a desigualdade. Nenhum sucesso possível. Parece que a população em geral introjetou fortemente a ideia de que miséria e pobreza são de responsabilidade individual. Ou será que não? A impressão é de que há um neoliberalismo popular muito bem irrigado pelo sistema da fé religiosa, que alimenta o imaginário do ungido de sucesso como um dos objetos de desejo mais difusos entre muitos segmentos da população. O que vai acontecer na passagem de 2019 para 2020 é imprevisível, mas pelo que observo nas ruas, conversando com as pessoas, o desespero está se generalizando, um mercado aquecido para a expansão de mais igrejas. Bancos, igrejas e milícias parecem ser um verdadeiro consórcio. Os bancos difundem a fé, as igrejas fazem a gestão dos fluxos monetários e as milícias cuidam da oferta mercadológica dos bens de salvação.

sábado, 6 de abril de 2019

Situação abissal

Não estão percebendo que o país caminha a passos largos para o abismo sem fundo? Uma geração inteira será arrastada para dentro do buraco de um esgoto clandestino. Velhos e crianças estão sendo lançados ao mar, afogados, na maior desfaçatez. Vai ser pior do que na Grécia. Vai ser uma carnificina. Já começou. As primeiras vítimas serão as mais desavisadas e as outras, as mais desinformadas. A matança já começou. A produção estatal da matança. Governo assassino. Quanto mais sem escolha se fica, mais se exige escolha livre e racional. Aumenta lógica concorrencial como critério de tudo, uma celebração da morte. Quem mais precisa de solidariedade, celebra um estilo de competição generalizada. Processo agressivo de desdemocratização. E há considerável adesão a isso. Expandir jogo do risco para produzir adesão à desigualdade como princípio. Trata-se de varrer do mapa quem está em menor vantagem para adentrar no jogo da concorrência acirrada. As apostas assim se concentram tendencialmente naqueles que possuem as melhores chances de ganhar. E estas "melhores chances" são potencializadas na medida em que se reduzem as chances dos com poucas chances. Duas jogadas de uma mesma partida cujo ganhador é de antemão aquele que abraçar com mais agressividade o princípio da desigualdade como modo normal de operação. Não tem como não explodir, a gente só não sabe como, quando e onde. Vai explodir, mas quando acontecer a repressão será inaudita, governo está atuando para provocar uma explosão que possa ser um tubo de ensaio de um processo intensivo e abrupto de estado policial, apenas uma ampla repressão policialesca a movimentos de protesto pode salvar o governo neste momento. O governo não tem outra saída, precisa de um novo 2013 para funcionar, para azeitar a máquina.

domingo, 31 de março de 2019

São bicho feroz!

Bolsonaristas com arma na mão nas redes sociais falam grosso, na sala de aula, ficam perdidos, não sabem argumentar, tentam agredir, mas agredir ao vivo é diferente de agredir na rede virtual, ficam portanto com mais raiva de si, daí apoiam o escola sem partido, querem neutralizar aquilo que não sabem fazer: pensar e argumentar. Bolsonaristas fogem do contexto de debate, só se sentem "bem" em contextos de autoritarismo, onde podem impor, serem apenas ouvidos.

O sistema da tortura foi difuso e amplo

Em 1991, eu estava numa festa particular numa casa de uma família numa favela, eu tinha sido convidado, pois era educador popular freiriano na comunidade. Por acaso, sentei ao lado de dois homens que conversando entre si, enquanto comiam e bebiam, sobre como tinham estuprado várias índias quando eram soldados do Exército na Amazônia. Que eles torturavam os homens e estupravam as mulheres. Eles contavam isso rindo, como recordação, não tinham nenhuma empatia para com as vítimas, eram homens brutais, dois homens das camadas populares, ex-soldados, isso me chocou muito. Já em 2008, em outra favela, em outra comunidade, um homem me relatou que o pai dele trabalhava para a repressão durante a ditadura e que ele levava jovens estudantes para ficarem sequestrados em sua própria casa na favela. Ele tinha uma mini-cela no quintal de casa, como uma casa de cachorro. Deixava uma ou duas pessoas lá presas. Dizia que era para evitar ter de ficar lá na carceragem da tortura, onde trabalhava, levava "trabalho" para casa. Os filhos cresceram vendo o pai torturar pessoas no quintal da própria casa na favela. Isso também me marcou muito. Isso foi em Fortaleza.

sexta-feira, 22 de março de 2019

O dia a dia do Brasil em março de 2019

Aumentou no dia a dia a quantidade de pessoas em adoecimento incapacitante. Estou preocupado demais. Mais do que o dobro, segundo minha observação direta. Notei também outras coisas. Fico impressionado como indivíduos que ganham o salário mínimo do Dieese se comportam diante da massa trabalhadora que está abaixo disso como se fossem a elite da elite global. Um bando de lascado que se fantasia de elite. Merece uma pesquisa. 2019 vai ser o empobrecimento geral, mas as pessoas ainda conseguindo esconder isso, em 2020, vai ser desesperador, quase ninguém vai conseguir esconder de si mesmo que se tornou um pobre fodido. Mas é impressionante como alguns segmentos beirando a pobreza se esforçam em manter a fachada que já não corresponde à realidade dos fatos. Chega me dá ânsias quando vejo o pobre fantasiado de elite, falando a linguagem da Globo News. Será que ninguém está com dificuldades de comprar alimentos? Está tudo uma beleza? Aqui em casa a gente está comprando a metade do que comprava. Não há mais a compra do mês. É só no miudinho. Não passamos fome, mas não há fartura e abundância de jeito nenhum. A fome não vai entrar no debate público? Aqui em casa tem goteiras nos quartos de dormir e também não há sistema de água e esgoto, a gente depende de uma cacimba e de uma fossa. A gente mora numa casa simples, na área rural. Mas pelo que vejo ninguém tem problema de moradia no Brasil, né? É todo mundo classe média de Instagram. Não vão cansar de mentir para si mesmos, não? Se a gente já está trabalhando o dobro, significa que o salário caiu pela metade, né não? Se o poder de compra caiu pela metade, significa que o dinheiro não é mais o mesmo dinheiro de antes, né não? Não entendo muito de economia, mas acho que faz sentido essa percepção de senso comum, né não? Só não faz sentido no Instagram, é claro. Lá é só riqueza, abundância, felicidade e um mundo maravilhoso a se descobrir. Que abuso estou do Instagram. As crianças de vocês não ficam pegando uma virose atrás da outra, dentre outras doenças, e exigindo gastar uma grana preta com remédio, não? Aqui em casa, cada ida à farmácia, e é sempre, dá vontade de chorar. É cada lapada. Remédios caros, qualquer besteira é 200 reais. Aí a gente vive com um monte de parcelamento de compras em cartão de crédito com farmácias, e nunca acaba. Pessoal está mentindo demais! Por que fingir que está tudo mil maravilhas, quando a merda já chegou no pescoço? O país atolado na lama, sendo afogado, e os indivíduos à beira da pobreza gastando quase todo o tempo em produzir imagem de sucesso. Ninguém faz sucesso nesta pocilga, não, pessoal! Tem como ser sucesso quando o país virou um abismo, não! Bora pras ruas protestar, bora sair do Instagram de fantasia. A fantasia faz parte da vida, mas vamos vestir nossas fantasias de luta. As de consumidor competente feliz estão estropiadas, rasgadas, já foi. Não colam mais. Pessoal está mentindo demais! Por que fingir que está tudo mil maravilhas, quando a merda já chegou no pescoço? O país atolado na lama, sendo afogado, e os indivíduos à beira da pobreza gastando quase todo o tempo em produzir imagem de sucesso. Ninguém faz sucesso nesta pocilga, não, pessoal! Tem como ser sucesso quando o país virou um abismo, não! Bora pras ruas protestar, bora sair do Instagram de fantasia. A fantasia faz parte da vida, mas vamos vestir nossas fantasias de luta. As de consumidor competente feliz estão estropiadas, rasgadas, já foi. Não colam mais.

domingo, 17 de março de 2019

A culpa é do videogame

Oito pessoas são massacradas numa escola por adolescentes bolsonaristas, que também morreram, fãs da família Bolsonaro e suas armas, e fica por isso mesmo? A gente sabe que esses massacres vão continuar. Bolsonaristas são máquinas de destruição. E o governo ainda diz que a culpa é do videogame e que se houvesse indivíduos armados na escola, isso seria a solução ideal, tanto que o senador principesco lança projeto de fábricas de armas alguns dias depois do massacre com fotos repletas de sorriso cínico e perverso no canto da boca. E todo mundo calado? A que ponto chegamos!

A raiva que me impede

Se os patrões, os ricos e seus governos não fossem ungidos, sacralizados pelas igrejas, o bicho ia pegar. Hoje, quem sustenta a desigualdade é a produção subjetiva de um cristianismo adaptativo, uma cristianismo que funciona como teologia política de um sujeito que funcionam como capital humano e que goza no sacrifício de si em nome do sistema do capital. Foi assim com Dilma, está sendo assim com Bolsonaro. Essa é a minha posição militante. Por isso que não sou um bom analista das questões religiosas como cientista social. Tenho consciência disso. O que se ganha é o que se perde. Há quem consiga ter as duas atitudes, mas são poucas as pessoas, poucas e admiráveis. Minha raiva das igrejas não me permite entender o papel do governo das igrejas no Brasil. Envieso quase sempre. Por isso, as próximas quatro sessões do grupo de estudo do LEV vão ser dedicadas a estudar textos de Patrícia Birman e Carly Machado. Para ver se a gente consegue sair dessa nossa visão raivosa do fenômeno, pois elas são analistas críticas de mão cheia.

O oblato

Em geral, nós próprios estamos sendo os agentes do nosso esvaziamento sociocultural, inconscientemente ou nem tanto, aderimos a um sacrifício compartilhado enquanto os que ocupam as posições do topo externalizam danos, recusando-se a compartilhar a dor causada por seus arranjos de financeirização do capital. O crescimento econômico tendo como base o sacrifício de nós mesmos em nome da privatização do benefício virou nosso Deus. E haja religião cristã para garantir a oblação. Ser agente do próprio esvaziamento é o fim da picada. Nada de fazer sacrifícios de si em nome da ordem das desigualdades.

Taxas de desocupação de mestres e doutores

Em 1998, uma amiga europeia, doutora desempregada estrutural, que vivia dando aulas particulares e vendendo rosas para turistas nas praças, ela tinha sido treinada dentro de um laboratório prêmio Nobel, e não queria migrar, por causa de compromissos familiares, com cuidado de familiares, pais, irmãos, me falou que quando estava na fila para receber o seguro-desemprego, os fascistas passavam cuspindo nas pessoas, chamando-as de fracassados, inúteis, lixo etc. Na capital da Europa. Nunca vou esquecer disso. Me hospedei na casa dela e do companheiro dela, um doutor também desempregado, trabalhando como taxista clandestino. Não havia calefação, nem comida suficiente para a alimentação normal. Era uma favela a duzentos metros de um dos lugares mais ricos do mundo. Agora que caiu a ficha a respeito do que presenciei. Mais de 20 anos para cair a ficha. Imaginem se eu não fosse pesquisador profissional, hein? Que lentidão. Mas não é tão tarde para iniciar essa reflexão crítica. Lembro igualmente que na passagem do ano 2000 para 2001, uma universidade federal do sudeste, a mais importante de lá, historicamente falando, abriu uma vaga para professor efetivo, uma raridade, e se inscreveram mais de duzentos doutores. 200 para uma vaga. A briga entre o primeiro e o segundo lugar foi uma batalha campal, acompanhada por estudantes e professores de todo o Brasil. E aí, quem ganhou? Era o que se perguntava a cada nota divulgada. Não foi à toa que a minha geração, pelo menos uma parte dela, ficou uma década no sistema privado de ensino superior. Não foi fácil. Ser professor horista é um pancadão. Na década de 1990 na Europa, as pessoas sentiam muita vergonha de serem pobres. O sofrimento social era intenso, pois essa vergonha era avassaladora. A acusação marcada no corpo de ser um fracasso fez com que vários doutores altamente competentes se matassem ou enlouquecessem. Cientistas que tinham passado por treinamentos acadêmicos de altíssimo nível e viviam na miséria, na pior miséria, acossados pelo opróbrio. Mais recentemente, em 2017, pude perceber por lá, numa viagem de trabalho, como colegas jovens se matam de trabalhar (produtividade altíssima) para tentar uma vaga improvável, e vivem nos piores bairros, em situação precária e indigna, pois ainda possuem o orgulho histórico de terem sido ricos um dia. Fiquei chocado ao saber que as taxas de desocupação entre mestres e doutores no Brasil estão na estratosfera. Sabia que havia taxa alta, mas não sabia que eram tão elevadas. 35% de mestres fora do mercado de trabalho e 25% de doutores. Diz-se que a taxa mundial é de 2%. Só resta emigrar para evitar subocupação ou aceitá-la?

O neoliberal insciente?

Estou consciente de que as demandas que faço como professor aos estudantes, incitando-os a buscar a alta performance nos estudos , se tornou um dispositivo desancorado no contexto do capitalismo desorganizado. Ou seja, só funcionava, e olhe lá, no capitalismo social dos países muito ricos. Para trabalhar, tenho que suspender tal consciência crítica, simular estar insciente disso.

Peixinho fora do aquário

Quando começo a ler textos analíticos sobre as práticas neoliberais na vida contemporânea, começo a me dar conta de estar totalmente mergulhado nelas. É como se fôssemos aquele peixinho no aquário que não sabe que está no aquário, do qual falou Veyne num livro sobre Foucault. A leitura então de textos críticos aguça nossa capacidade de deslocamento.

Sem armas nas mãos

Enquanto se multiplicam os casos de violência perpetradas com arma de fogo, os senhores da guerra dizem que a solução é ter mais armas, armas livres. Que mais armas resultarão em menos violência armada. É um tipo de delírio hiper masculinista, não? Não é uma questão simples. Há uma fantasia de poder pela qual os homens se atribuem superpoderes. Um lance bem problemático. Estão certos de que são capazes de fazer guerra. Quando lemos os relatos de quem fez a guerra, não é bem isso que encontramos. Na guerra, não há certeza alguma. Mesmo param quem está armado até os dentes. Por um Brasil sem armas! Sem senhores da guerra no comando. Arte, cultura, educação, emprego, segurança alimentar e saúde com qualidade para todas as pessoas e famílias, sem exceção. O fim das desigualdades deve ser a meta coletiva, digamos não à violência. E um sonoro sim à solidariedade humana. Basta de autoritarismo e brutalização das relações sociais. É o que sentimos no peito, é o que nos une, é o que prevalecerá. Eles passarão.

Estão muito excitados!

Bolsonaristas parecem ser uma massa compacta, fechada, impenetrável. Estão blindados pelo fato de terem depositado tudo na conta de um depositário fiel. Partiram para um tudo ou nada. O modo igreja, o modo exército e o modo do ódio, da raiva, do orgulho de estar incomodando, uma satisfação por saber que os que são nada podem ser tudo quando se unem com fé cega em sua capacidade de barrar tudo o que os barrava. São ressentidos felizes por poderem falar, sem terem sido nunca antes autorizados a falar. O famoso zé-ninguém, que do silêncio que lhe era imposto começa a gozar na tagarelice vitoriosa, não pelo argumento, pois esta exigência é o que os excluiu sempre, mas uma tagarelice que funciona como uma grande sessão de descarrego, como uma vitória. Nunca antes tinham podido falar pelo simples fato de que não sabiam falar. Nunca tinham vencido nada na vida. Estão muito excitados.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Pontualidade

A mulher negra, pobre, periférica, mãe de família, chefe de família, mil problemas com os filhos, mil problemas com casa, falta de dinheiro para alimentação, morando em contexto de muita violência, enfim, ganhando um salário mínimo que não dá para nada. Aí ela chega todo dia no trabalho antes do início oficial do seu trabalho, onde ocupa a posição mais dominada, como terceirizada da equipe de zeladoria. Chega 7h. Com pontualidade, regularidade, um proletária habituada aos regimes de opressão patronal. Calejada. Ela me diz que não pode perder o emprego, seria um caos perder o emprego, já passou por situações de desemprego. Aconteça o que acontecer, ela não falta. E ela me conta diversos casos gravíssimos que teve que ir trabalhar, deixando até filho à beira da morte, coisas assim. Pois, tirando essa mulher, as outras pessoas que compõem a mesma organização, em posições dominantes, dizem que é "impossível" chegar 8h no trabalho e se atrasam sistematicamente. Em geral, pessoas que vivem uma vida mais confortável do que da mulher que relatei e que não é uma, mas milhões. Já conversei com várias com o mesmo perfil. Por respeito a elas, faço de tudo para nunca chegar atrasado no trabalho. É o mínimo de respeito que elas merecem. Quando chego no trabalho às 7h20, elas já estão lá é arrumando tudo para as coisas funcionarem. Sou fã delas. E acho uma injustiça que elas ganhem tão pouco.

Retorno à década de 1980

Quem é trabalhador assalariado sabe que se não ceder às pressões de maior exploração vai dançar, vai rodar, sistema de opressão patronal virou uma faca no pescoço. Para quem ainda não caiu a ficha, é melhor ir saindo do mundo de fantasia, a exclusão vai aumentar e é muito e com muita força e intensidade. Ser muito explorado no trabalho vai ser o novo privilégio. Pode ser que a agora as críticas ao capitalismo possam se tornar mais populares. Espero que sim. Espero que tenha resposta coletiva como resistência. Mas a resposta coletiva vai depender da capacidade de proletarização de cada indivíduo. Quem se desproletarizar vai se lascar. A capacidade combativa da força de trabalho proletária é a base da luta política contra a exploração do sistema do capital. De minha parte, daqui por diante, só penso nessa luta, na luta proletária. Revolução social em tempos neoliberais. O ponto de vista do trabalhador e não o do consumidor da "nova classe média", essa sandice, terá de prevalecer como critério de ação coletiva. Tempos sombrios. Muita atenção é pouca. Me deixa perplexo que a esta altura do campeonato ainda muitos indivíduos estejam subjetivamente orientados pelas fantasias de grupo alimentadas pela "nova classe média" dilmista. Se naquele tempo, já ficava, imaginem hoje em dia. Morreu, pessoal. Não há mais como seguir o estilo consumidor competente "quem paga a conta não sei". A subvenção ao consumo foi apenas uma forma de clientelismo político que resultou em um alto preço a ser pago pelos direitos da coletividade, além da insustentabilidade econômica. Acabou. Agora é voltar para o estilo punk da economia de guerra da década de 1980. Pelo menos, a gente lia livros e ouvia música. Não vai sobrar pedra sobre pedra. Vai ser muita fome, adoecimento e morte. Uma tragédia pelos próximos 10 ou 20 anos.

Crianças não são a prioridade?

No Ceará, quase 30% das crianças vivem em redes familiares que estão na pobreza extrema. É uma taxa elevadíssima. Com a fragilização e precarização em andamento, que faz com que adultos se tornem mais indigentes, como ficará a vida dessas crianças, que já é um inaceitável inferno de privações e violências? O que os governantes estão propondo para solucionar isso? Que eu saiba, só estão pensando nos ricos. Por que as crianças não são a prioridade, mas sim os lucros dos acionistas das grandes empresas e da classe rentista?

Reforma da previdência 2019

Quer dizer que o crescimento econômico depende de uma perda de qualidade de vida da maioria? Para que serve então o crescimento econômico? Apenas para aumentar o capital dos muito ricos, mantendo empregos precários para a maioria sobreviver mal, agradecendo a Deus por não estar desempregado, nem doente, nem com o pé na cova? É esse o projeto oferecido? Isso lá é projeto coletivo. Isso é o crime. Querem nos fazer crer que empobrecer, adoecer e morrer é da nossa inteira responsabilidade individual, que não há responsabilidade coletiva sobre o destino subjetivo de cada indivíduo. É uma negação radical da solidariedade humana. Ocorre que não há produção de riqueza sem cooperação. A base cooperativa é essencial para a geração de riquezas, aí nesse ponto não é individual, a responsabilidade é coletiva, é de todos "irmanados" como "colaboradores". Isso lá é projeto coletivo. Isso é o crime. O problema é que o brasileiro não tem o hábito de guardar dinheiro? Gente, menos, por favor. Vejam a estrutura da renda no país antes de afirmar isso. São mais de 23 milhões na miséria, só para lembrar o básico. O benefício (BPC) da pessoa idosa pobre cai de 998 reais para 400 reais a partir de 60 anos. Só poderá receber 998 reais com 70 anos. Atualmente, a partir de 65, já recebe 998 reais. Dez anos (de 60 a 70), recebendo inicialmente 400 reais para chegar em 998 reais. Isso é justo? A pessoa idosa e pobre está sendo abandonada para o adoecimento e a morte prematuros. Isso é uma forma de produzir miséria e infelicidade para esses indivíduos e suas famílias. Tenho percebido que quem mais opina a favor da reforma da previdência é informal sem direito nenhum. Sabem "tudo" sobre direitos mas não tem direito algum. Acompanham algo como se fossem formais, mas estão fora daquilo que comentam. São pró-governo pois tanto faz, não são atingidos. São excluídos. Estranho, né? Habilidades sociais para se viver em condições precárias e instáveis serão cada vez mais requeridas. Os segmentos acostumados a condições mais confortáveis e que irão empobrecer precisarão aprender muitas coisas, se não se deixarem paralisar pelo intenso sofrimento social da queda.

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Polarizações

Durante muitas décadas, vários trabalhos foram escritos para mostrar como Marx estava errado ao falar da tendência de polarização entre proletariado e burguesia, que isso era uma fantasia, que a realidade mostrara algo totalmente diferente (referiam-se ao capitalismo social de 1935-1975 em alguns países muito ricos). Agora, nos EUA e nos resto do mundo estamos assistindo desde 1991, pelo menos, uma crescente onda de empobrecimento relativo ao fosso da desigualdade. Usa-se a leve queda quase em ritmo estagnado da pobreza extrema como argumento de que vai tudo bem. De fato, o fenômeno da desigualdade é que permite analisar melhor essas relações. Não sou especialista no assunto, mas percebo um empobrecimento generalizado das classes médias que ao caírem empurram para baixo ou são suplantadas pelos "batalhadores" da classe trabalhadora. A polarização entre os muito ricos e a massa só aumenta, não?

A grande dívida

Em novembro de 2018, as grandes empresas deviam R$ 476,7 bilhões, BILHÕES, de reais à Previdência. Por que isso não entra na discussão da reforma da previdência? Por que essa dívida não é cobrada? Por que as grandes empresas não são sacrificadas para pagar essa dívida? Esse valor total da dívida é mais do que o dobro do chamado rombo da previdência que é a justificativa para a reforma que penaliza os mais fracos, divulgando ideologicamente que vai extinguir privilégios do funcionalismo de alta renda (e há sim distorções lá onde ninguém mexe, na nobreza do Estado - políticos, altas cúpulas do executivo, do legislativo e do judiciário, mas que não dá para generalizar para o todo). Uma manobra que o ressentimento de milhões está engolindo com a voracidade das emoções. Uma cegueira brutal. O desejo de nivelar tudo por baixo está gerando um efeito de desrealização geral. Os de baixo legitimando a generalização da política de empobrecimento, precarização, perdas, a que já estão submetidos, o que aumenta a desigualdade. Muitos trabalhadores do setor privado, vivendo em condições escorchantes, desejam de modo vingativo impor ao setor público que estejam em um mesmo patamar. Enquanto isso, as grandes empresas comemoram pela fragmentação política das camadas médias e do andar de baixo. Pois quase todos defendem o ponto de vista da grande acumulação de capital. A miséria exige ser ampliada. A riqueza agradece por ser ainda mais concentrada.

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Moral e cívica

Enquanto a esquerda parlamentar estiver nessa de querer fazer discursos moralmente edificantes, a gente não sai do canto. Esse lance de ser o formador das massas acaba com tudo. Que pretensão ridícula! Não há por que instituir de novo a Moral e Cívica, pois a esquerda parlamentar "socialista e radical" já faz esse papel em nome do Estado. Ridículo, por sinal.

A grande adesão

Se PSDB e PT não tivessem aderido com tanto entusiamo ao sistema de corrupção, chamado sistema político, não estaríamos aqui. Mas poderiam ter sido partidos no poder executivo do sistema do capital sem aderir a isso? Dificilmente. Do mesmo modo, o bolsonarismo está aí se estilhaçando em poucos dias. Não vai sobrar campanha sobre campanha. Afinal, a própria campanha já foi a adesão ao sistema de corrupção, apesar da multidão incrédula que a apoiou estar se debatendo histérica.

O imbróglio que não mais acaba

Os bolsonaristas estão tendo que usar os mesmos discursos dos petistas para poder dar sustentabilidade à imagem de seus líderes. O modo como se defende Lula e Bolsonaro segue as mesmas regras. É uma impressionante convergência de estratégias de manutenção de projetos de poder. Semelhanças demais no modo de agir, falar, justificar, proteger, atacar, desqualificar , jogar a sujeira para debaixo do tapete, etc. Essa articulação para prêmio Nobel da Paz para o Lula é uma romantização indevida, sou contra ele estar preso, mas acho pura mitificação. Parece que os governos dele foram santificados, não foram, foram de muita traição, de muita coalização com o que há de pior no sistema do capital. Romantizar Lula para atacar novo governo é a pior solução. Lula Livre, sou a favor de Lula livre, é a pior estratégia. Manter a mesma oposição que produz o atual governo. Negar a merda realizada para criticar a merda presente. Estou fora.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Torço contra

Torço para partidos de esquerda nunca mais ganharem para o poder executivo. Penso que isso seja uma condição histórica para a reconstituição do campo das esquerdas de luta. Enquanto houver governos das oligarquias, como no CE, dando emprego comissionado para quem usa retóricas de lutinha, não haverá luta. Tem de minguar. Não ter mais emprego para militância remunerada, aí vai esvaziar e vamos voltar ao que éramos, uns punhados de grupinhos espalhados por aí escondidos, invisíveis, mas muito atuantes do ponto de vista da educação política revolucionária. O consumo cultural como definição de ativista lascou tudo, partiu ao meio o que já era partido. O desejo de ser "nova classe média" foi um inimigo muito pior do que o da extrema-direita no poder.

O ovacionado

O que quase ninguém percebeu é que a opinião pública bolsonarista está interpretando completamente diferente os mesmos eventos. Como partem do familismo fundamentalista cristão, estão elogiando o modo como a família no governo é corporativamente unida na defesa do pai e, portanto, da autoridade da nação. Que isso é sinal de saúde. De família forte e saudável. Que também estão eliminando os elementos da velha política que estão tentando pegar carona no novo governo do novo Brasil. Bolsonaro e família estão sendo elogiadíssimos por milhões e milhões de pessoas. Mas não aqui na minha bolha na qual ele é retratado como se não houvesse milhões de pessoas acreditando muito nele. Do mesmo modo que há milhões que acreditam no Lula. Eu não acredito nem em um e nem em outro (nem no Ciro nem no Boulos nem no X ou Y). Estou fora dessa polarização. O sistema político é o sistema de corrupção do Estado do capital. É o demônio! Mas não acredito em Deus, nem no demônio. Aliás, só existe o demônio, isso tenho certeza absoluta.

Estou ligado, tá ligado?

As pessoas querem que a gente se cale, mas elas próprias não falam contra a hierarquia das falas que as (des)autorizam. Alguém tem de falar. Só acho que ninguém fala em nome de ninguém. Se ninguém fala em nome de ninguém, quem mantem o campo de fala vivo está no direito próprio a resistir para continuar a existir. Pelo direito de existir. Mas aí surge um problema. A tendência é que os que estão em melhores condições de existência estejam mais engajados a falar. A falar contra a ordem de silêncio e contra a ordem das falas. Mas e os que não estão em condições de falar? Seriam então reduzidos a uma condição que não passa de objeto de fala? Acho que não é bem assim. As condições podem ser péssimas, mas não anulam completamente a capacidade de falar. Mas fala por fala, percebo que os que pouco podem falar acabam representados por outros que falam e vendem suas falas para o sistema político (a diversidade de mercadorias humanas é aí comercializada com seus adereços e ornamentos). Esses que vendem suas falas, no mercado das falas que pretendem representar, dizem que apenas eles podem falar em nome dos supostamente sem fala que eles representam. Lutam pelo monopólio de falar em nome do "lugar de fala". Fazem um uso estratégico desta importante noção. Um uso retórico. Afastam aliados, dizem não precisar de ninguém, mas correm para os governos das oligarquias em busca de um carguinho. Vivem disso. Mas suas retóricas são virulentas e radicais. São figuras atravessadoras que neutralizam alianças políticas entre segmentos que possuem condições diferentes de classe, do ponto de vista da infraclasse dos que trabalham para viver do próprio salário. Desconvidam um monte de gente, mas não desconvidam "políticos profissionais" que vivem do sistema oligárquico do capital. Para estes, é só abraços e sorrisos e acessos abertos para falar com os "sem fala" que vendem no mercado de intermediações dos acessos. Se vendem para o governo, mas acusam outros de serem os aproveitadores. Estou ligado, tá ligado?

Setor de RH

Por que indivíduos que dizem representar o povo autenticamente, pois vieram do povo, usam a linguagem dos oligarcas em detrimento das linguagens que são contra-hegemônicas? Os autênticos representantes do povo que vieram do povo falam a linguagem do dominante na versão mais tosca. Em geral, é claro. Há algumas pouquíssimas exceções que confiram a regra. Mostram credenciais de povão e se vendem para o patrão governamental, pois o patrão é "socialista", é de luta! O que acontece ainda aqui no CE é o que restou do petismo em franca decadência. Um sistema de RH do sistema do capital, associado ao governo como balcão de negócios. Mas um monte de gente teve que migrar, pois o sistema agora tem seus próprios representantes autênticos do povo, os concorrentes que chegaram para tomar geral a máquina dos quartos, terceiros e segundos escalões. Sem cargo comissionado, não há partido. O partido é essa forma de traição, essa negociação subalterna, esse peleguismo básico, que, por vezes, late, mas não morde. Morde só quem está ao lado, mas não quem está acima. Enquanto as máquinas partidárias da esquerda oficial estiveram ainda no esquemão capacho-cargo comissionado, a gente não sai do canto.

Entre amigos e amigos

Chamam os amigos de inimigos mas quando se veem diante dos inimigos que consideram amigos pedem socorro, mas não antes de terem espinafrado os amigos como se fossem inimigos e bajulado os inimigos como se fossem amigos. É um enredo desesperador e constante que define hoje o campo "da luta", gerando mais e mais fragmentação e ódio interno ao campo. Um ódio autodestruidor que beneficia demais os amiguinhos lá do andar de cima, que todo mundo quer beijar e abraçar e tirar foto junto, pois são portadores de muitas oportunidades de remuneração comissionada no campo governamental do sistema oligárquico do capital. Coisas do Ceará, é claro. De uma esquerda que faz discurso ultra-radical e depois vai ouvir palestra do Senhor Doutor, tudo caladinho, parecendo um rebanho, sendo o próprio rebanho do Senhor Doutor do Governo. Toma benção do Doutor Oligarca e esculhamba os outros que nem são tão poderosos assim. Métricas de clientelismo em ação. Na avenida da universidade, a pessoa se descabela, parece que vai iniciar uma revolução. Nos escritórios do governo, nas reuniões, tudo asseadinho, com a melhor roupinha, batendo palminhas, sendo produtivos e proativos. Nos outros ambientes, onde deveriam ser produtivos e proativos, são anarquistas selvagens, não aceitam nenhuma autoridade. Mas depois ficam servindo de capacho, é só sair dos arredores da universidade. Por isso que ninguém acredita. Nem parece a mesma pessoa. É incrível. Chega a ser vexatório.

Letargia e mais letargia

O país entrou em total letargia, está aceitando tudo. O sonho da ordem realizado. O andar de cima está comemorando o silêncio e a adesão do andar de baixo. Ainda bem que estão quietos e ordeiros, diz o topo entre um uisquinho e outro.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Retóricas perdedoras ou vencedoras?

Em geral, as retóricas militantes radicais partem de indivíduos em ascensão social. Tenho percebido isso. Talvez, tenha uma relação com a variação da percepção da injustiça em função de uma expectativa de realização mais elevada. Os indivíduos com baixíssimas expectativas de realização, que estão em conformidade com o destino social que lhes é atribuído, tendem a ter uma percepção mais tolerante com a violência do sistema. Ter um lugar nomeado pelo sistema, nem que seja um lugar muito "simples", "humilde", pode ser um fonte poderosa de orgulho individual, mas pode ser também de vergonha. Uma vergonha que paralisa ou um orgulho que gera aceitação por ter um lugar na hierarquia. Afinal, quando há hierarquizações a regra é que aja alguém sempre abaixo que pode fazer com quem alguém se sinta acima. Alguém pode oprimir ou rir com menosprezo de alguém, esse é o segredo da dominação hierárquica. Dar a possibilidade de alguém humilhar o outro é uma função de ordem. Os militantes radicais com trajetórias de ascensão social para um tipo de "nova classe média" dilmista humilhavam de modo consciente ou não vários de seus pares, que se tornaram quase todos bolsonaristas.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

As coisas invertidas

No Brasil, os mais excluídos e com menos chances de adentrar nos mercados altamente competitivos, e que exigem pleno conhecimento incorporado da forma-empresa, defendem o capitalismo neoliberal desorganizado. Já os que estão incluídos, que sentem já na pele a desgraça que os outros desejam, pedem arrego, exigindo respeito aos direitos dos trabalhadores. A ideologia neoliberal virou coisa de pobre e o socialismo coisa de rico. Como fazer luta de classes assim?

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

é o fim

é um gosto de nada na boca, uma vontade de sair correndo, fugir. as pessoas estão adoecendo, algumas morrendo, muitas apáticas. bate aquela sensação de que não dá para confiar nem na própria sombra. a própria ideia de ser gentil passa a ser parecida com a de ser otário. a pior canalha, a mais inescrupulosa, o rebotalho, está aí no altar. ninguém segura a mão de ninguém. essa é a dura verdade. pessoal finge apenas, ninguém vai lá perder tempo sendo solidário. é o fim. quando chamam alguém de amigo é para tirar algum benefício. não adianta fazer festa, a festa é da ordem da crueldade. não dá mais para dizer que está tudo bem. não está. a imposição do vazio não encontra mais tanta resistência. não haverá reconciliação. não haverá paz. uns tombam, outros morrem, muitos se ajoelham e pedem clemência.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Uma baita de uma enrascada

O pior é que o petismo não tem moral nenhuma para dizer que os outros estão enrolados. Zero moral. Nesse ponto, os bolsonaristas estão certos. Mas estão errados por acharem que o bolsonarismo não é um tipo de petismo com sinal trocado, com as mesmas práticas de clientelismo e corrupção, uns hipócritas. Por isso que enquanto ficar essa palhaçada entre petismo e bolsonarismo, incluindo o cirão das massas como variante acovardada do petismo, a gente não sai do canto. Tudo travado. O pior de tudo é o Boulos com esse lulismo oportunista que ele inventou e enterrou o psolismo junto. Só deserto. Só lasqueira. 20 anos nessa merda vai ser foda. Como dizia o poeta, é cada um por si e Deus contra todos. O Brasil "de bem" nos meteu numa enrascada sem tamanho!

Discurso de um cínico

Em geral, o que se chama "luta", "de luta", "movimento de luta", nos dias de hoje não faz nem cócegas no funcionamento brutal do sistema de dominação. A luta ou tem função festiva ou terapêutica ou as duas coisas ao mesmo tempo. Menos função de luta. Não sei por que ainda se chama luta, deveria assumir que é apenas autoajuda, estipulada para lidar com os sentimentos de impotência, isolamento e ressentimento. Luta que é luta gera efeitos de desestabilização, efeitos de desmantelamento, gera portanto forte repressão por parte do Estado. Sem falar que a forma-empresa tomou conta "da luta", esta está quase sempre orientada para e por um processo de capitalização eleitoral, as pessoas se vestem bem para participar dela. Lutas desde baixo e contra o Estado-capital viraram um slogan, uma publicidade bruxuleante. E lutas eleitorais viraram máquina de empregar militâncias remuneradas. Uma tristeza infinita parece restar com essas manifestações "de lutinha". Formas tímidas de aceitação do existente. Mas as retóricas são uma paixão, né? Sem retórica, não fica nada. Só o vazio da inação. Então, viva a luta! Avante! Observação: o cínico sou eu.

A favela paradoxal

Achar que não faz parte da favela é a maior ilusão. Seja favela como estigma ou como raiz da riqueza cultural e econômica. A favela é tratada como campo de extermínio pelo Estado. É produzida como campo de extermínio. Mas, ao mesmo tempo, a favela é quem sustenta a produtividade para garantir a vida rica das classes ociosas que mandam no Estado. A favela é alvo de uma política de morte. Mas a favela é a força de trabalho e de combate da nação. É a força que gera riqueza sendo excluída de seus benefícios. Gera riqueza para classes privilegiadas que se esmeram em manter a favela sob controle, seja com polícia, crime ou igreja. A favela é o Brasil. Mas nem todo Brasil está na favela. Mas a grande maioria está, mesmo quando não quer aceitar que está. Os conflitos sociais estão nas últimas décadas oscilando entre vergonha ou orgulho de ser favela, submissão à ordem senhorial ou insubmissão contra a casa-grande, contra a ordem escravocrata e colonial, que não sai de nós.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

A crise recôndita

As pessoas estão vivendo a crise econômica e política como se fosse um problema íntimo e pessoal. As pessoas não expõem suas dificuldades nas redes como expõem suas "felicidades". As dores, as pequenas misérias, ficam todas escondidas debaixo do tapete. Mas a gente sabe, a gente sofre e sabe que as coisas não estão bem. O contexto político está nos deixando super para baixo. Afeta todo mundo de um jeito ou de outro. Minhas primeiras aulas do semestre serão conversando sobre a crise. Precisamos falar, conversar sobre isso. Silenciar é pior, muito pior.

Militância de merda

O Lula foi abandonado e esquecido. Ninguém luta por ele. Só de mentirinha para desencargo de consciência. Mas lutar mesmo por ele, ninguém luta. É um líder que foi enterrado vivo pelo seu próprio povo. Esquecido e abandonado pela própria militância que só pensa em cargos e em acumular capital eleitoral para gerar mais crescimento partidário com a distribuição de cargos. Uma máquina insensível e despolitizada, o partido. Vivem de hashtag, quando a resistência pede rua. Vivem no bem bom da hashtag. Se acovardam diante da morte simbólica do seu própria líder. Lula sendo enterrado vivo e ninguém vai para as ruas. Compactuam, então. Omissos. Mas em período eleitoral, com 50 ou 100 reais no bolso, liberado lá na sede para o lanche,, com a bandeira na mão, é todo mundo sorrindo nas ruas, cantando Lula lá. Pensem numa militância de merda.

Nova classe média explosiva

Minha hipótese é de que há, sociologicamente, uma conexão de sentido entre a "nova classe média" da Dilma e o bolsonarismo, há uma continuidade de práticas na descontinuidade de sentido atribuído às práticas, uma dissociação. Quando querem acusar 2013 como responsável pelo início da onda "verde-amarela", em geral, essa acusação vem da militância partidária da esquerda oficial, joga-se para debaixo do tapete o efeito conservador provocado pela jogada da "nova classe média". O "liberalismo social" estimulado pelos governos do lulismo e do dilmismo estimularam a reversão do pobre conservador para a direita de onde tinha sido tirado pela habilidade política do Lula. O empobrecimento das classes médias gerenciais desde o primeiro governo Lula também é um fato que precisa ser melhor analisado. Os governos do petismo funcionaram como um imenso aparato de RH, baixando salários, precarizando condições, para gerar integração marginal em larga escala, a dita "nova classe média". Esse "liberalismo social" está mais ligado ao fenômeno do novo conservadorismo do que 2013.

A retórica do vencedor

Um erro grave é inflacionar a própria imagem de sucesso quando se é, existencialmente, um ser destinado a desaparecer e a ficar invisível, a ser excluído da integração perversa do capital. Muita gente adoece por causa desse erro crasso. Quem não entender que essas retóricas de perdedor e vencedor que o liberalismo inventou é uma armadilha, pois, afinal, no sistema do capital somos todos perdedores, com perdas diferencialmente distribuídas, vai entrar pelo cano ainda mais. Quado a gente é recém-chegado, a gente tende a cometer esse erro. O preço que se paga é alto, se paga com a saúde. Não se deve esquecer que a precariedade é a condição universal. Nem que entre o normal e o patológico, a base da oposição é o espaço vazio. Não adoecer num momento que a massa adota a retórica do vencedor para se sentir distante do lugar que realmente ocupa, o do perdedor, é a tarefa ecológica por excelência.

O vencimento do perdedor

Lógica de mercado, forma-empresa e altíssima competitividade se tornaram bandeiras de indivíduos objetivamente pouco capazes ou quase incapazes de realizar tais práticas. Os críticos são os integrados nelas. Os deslumbrados são os excluídos delas. Quando escuto o indivíduo defendendo o capitalismo desorganizado, desse neoliberalismo pós-2008, e comparo as condições materiais de vida do sujeito com o que ele diz, é visível a discrepância, a contradição entre a retórica de defesa do "liberalismo" e do "capitalismo" e as condições deploráveis do próprio sujeito, em geral, marcadas por baixíssimo capital educacional, a base do capital humano. Indivíduo excluído do jogo com retóricas de elogio ao jogo que o exclui. Triste demais. A autoexclusão acompanhada de retóricas do "vencedor" na voz do "perdedor" é a faceta subjetiva mais cruel do mundo contemporâneo.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

A autoexclusão elogiosa do perdedor como um vencedor

Lógica de mercado, forma-empresa e altíssima competitividade se tornaram bandeiras de indivíduos objetivamente pouco capazes ou quase incapazes de realizar tais práticas. Os críticos são os integrados nelas. Os deslumbrados são os excluídos delas. Quando escuto o indivíduo defendendo o capitalismo desorganizado, desse neoliberalismo pós-2008, e comparo as condições materiais de vida do sujeito com o que ele diz, é visível a discrepância, a contradição entre a retórica de defesa do "liberalismo" e do "capitalismo" e as condições deploráveis do próprio sujeito, em geral, marcadas por baixíssimo capital educacional, a base do capital humano. Indivíduo excluído do jogo com retóricas de elogio ao jogo que o exclui. Triste demais. A autoexclusão acompanhada de retóricas do "vencedor" na voz do "perdedor" é a faceta subjetiva mais cruel do mundo contemporâneo.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

É caro viver na legalidade

Viver na legalidade é muito caro. Estatisticamente, poucos podem. E dos que podem, muitos optam por não fazê-lo. Principalmente, os muito ricos. Pagar para estar no padrão legal de vida é impossível para a grande maioria. Se a grande maioria não tem como viver na estrita legalidade (moradia, saúde, educação etc), usa em geral acessos não legais ou públicos (legais mas precarizados), como é o caso da moradia e da saúde, respectivamente, por que há uma fixação tão grande com a questão do choque de ordem? Quem não pode pagar por serviços, pede choque de ordem liberal, é um lance que ainda não consegui entender. O sujeito não pode pagar e defende a privatização de tudo. Mas não pode pagar nada. Estamos falando de mais de 70% da população, no mínimo. Aliás, quem pode pagar mesmo não passa de 5% da população. Talvez, uns 12% ainda possam com alguma dificuldade. Como que uma população de pobres e miseráveis, incluindo uma tal de "classe C", que pensa como rico, está pedindo lógica de mercado, forma-empresa e alta competitividade? Não casa uma coisa com a outra. Não combina. Há uma discordância muito grande entre a forma de pensar e a realidade dos fatos.

A maldita Classe C

Viver na legalidade é muito caro. Estatisticamente, poucos podem. E dos que podem, muitos optam por não fazê-lo. Principalmente, os muito ricos. Pagar para estar no padrão legal de vida é impossível para a grande maioria. Se a grande maioria não tem como viver na estrita legalidade (moradia, saúde, educação etc), usa em geral acessos não legais ou público (legais mas precarizados), como é o caso da moradia e da saúde, respectivamente, por que há uma fixação tão grande com a questão do choque de ordem? Quem não pode pagar por serviços, pede choque de ordem liberal, é um lance que ainda não consegui entender. O sujeito não pode pagar e defende a privatização de tudo. Mas não pode pagar nada. Estamos falando de mais de 70% da população, no mínimo. Aliás, quem pode pagar mesmo não passa de 5% da população. Talvez, uns 12% ainda possam com alguma dificuldade. Como que uma população de pobres e miseráveis, incluindo uma tal de "classe C", que pensa como rico, está pedindo lógica de mercado, forma-empresa e alta competitividade? Não casa uma coisa com a outra. Não combina. Há uma discordância muito grande entre a forma de pensar e a realidade dos fatos.

O eu é um outro

A única consciência radical que me interessa é aquela com que se atesta a própria insuficiência. Não há radicalidade maior do que a recusa de si mesmo, de se identificar a si mesmo. É preciso se divorciar do amor-próprio que está na base da indiferença diante da dor dos outros. Esse amor-próprio virou fonte de destruição em sua demanda de excepcionalidade, pois "...para poder se aceitar nos outros (...), é preciso antes recusar-se em si mesmo" (Lévi-Strauss, expressando um princípio descoberto por Jean-Jacques Rousseau).

O que dizer?

Não sei mais o que dizer. Estão conseguindo nos silenciar ou é preciso reaprender a dizer as coisas? Estou em dúvida. Está tudo muito tosco. As fantasias coletivas de melhorar as coisas sem mudar as condições brutais de existência parecem não mais nos convencer. Fantasias rasgadas, sonhos truncados. O BR parece ter abandonado seu processo de construção de nação. A dimensão tosca e violenta da colonialidade retornou como princípio dominante da ação. Talvez não tenha jamais desaparecido, apenas tenha ficado implícito. Mascarado por nossas mascaradas. Não sei mais o que pensar. Tudo parece ser um lugar-comum. As palavras parecem inócuas num mundo armado de ignorância e perversidade.