quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

A crise recôndita

As pessoas estão vivendo a crise econômica e política como se fosse um problema íntimo e pessoal. As pessoas não expõem suas dificuldades nas redes como expõem suas "felicidades". As dores, as pequenas misérias, ficam todas escondidas debaixo do tapete. Mas a gente sabe, a gente sofre e sabe que as coisas não estão bem. O contexto político está nos deixando super para baixo. Afeta todo mundo de um jeito ou de outro. Minhas primeiras aulas do semestre serão conversando sobre a crise. Precisamos falar, conversar sobre isso. Silenciar é pior, muito pior.

Militância de merda

O Lula foi abandonado e esquecido. Ninguém luta por ele. Só de mentirinha para desencargo de consciência. Mas lutar mesmo por ele, ninguém luta. É um líder que foi enterrado vivo pelo seu próprio povo. Esquecido e abandonado pela própria militância que só pensa em cargos e em acumular capital eleitoral para gerar mais crescimento partidário com a distribuição de cargos. Uma máquina insensível e despolitizada, o partido. Vivem de hashtag, quando a resistência pede rua. Vivem no bem bom da hashtag. Se acovardam diante da morte simbólica do seu própria líder. Lula sendo enterrado vivo e ninguém vai para as ruas. Compactuam, então. Omissos. Mas em período eleitoral, com 50 ou 100 reais no bolso, liberado lá na sede para o lanche,, com a bandeira na mão, é todo mundo sorrindo nas ruas, cantando Lula lá. Pensem numa militância de merda.

Nova classe média explosiva

Minha hipótese é de que há, sociologicamente, uma conexão de sentido entre a "nova classe média" da Dilma e o bolsonarismo, há uma continuidade de práticas na descontinuidade de sentido atribuído às práticas, uma dissociação. Quando querem acusar 2013 como responsável pelo início da onda "verde-amarela", em geral, essa acusação vem da militância partidária da esquerda oficial, joga-se para debaixo do tapete o efeito conservador provocado pela jogada da "nova classe média". O "liberalismo social" estimulado pelos governos do lulismo e do dilmismo estimularam a reversão do pobre conservador para a direita de onde tinha sido tirado pela habilidade política do Lula. O empobrecimento das classes médias gerenciais desde o primeiro governo Lula também é um fato que precisa ser melhor analisado. Os governos do petismo funcionaram como um imenso aparato de RH, baixando salários, precarizando condições, para gerar integração marginal em larga escala, a dita "nova classe média". Esse "liberalismo social" está mais ligado ao fenômeno do novo conservadorismo do que 2013.

A retórica do vencedor

Um erro grave é inflacionar a própria imagem de sucesso quando se é, existencialmente, um ser destinado a desaparecer e a ficar invisível, a ser excluído da integração perversa do capital. Muita gente adoece por causa desse erro crasso. Quem não entender que essas retóricas de perdedor e vencedor que o liberalismo inventou é uma armadilha, pois, afinal, no sistema do capital somos todos perdedores, com perdas diferencialmente distribuídas, vai entrar pelo cano ainda mais. Quado a gente é recém-chegado, a gente tende a cometer esse erro. O preço que se paga é alto, se paga com a saúde. Não se deve esquecer que a precariedade é a condição universal. Nem que entre o normal e o patológico, a base da oposição é o espaço vazio. Não adoecer num momento que a massa adota a retórica do vencedor para se sentir distante do lugar que realmente ocupa, o do perdedor, é a tarefa ecológica por excelência.

O vencimento do perdedor

Lógica de mercado, forma-empresa e altíssima competitividade se tornaram bandeiras de indivíduos objetivamente pouco capazes ou quase incapazes de realizar tais práticas. Os críticos são os integrados nelas. Os deslumbrados são os excluídos delas. Quando escuto o indivíduo defendendo o capitalismo desorganizado, desse neoliberalismo pós-2008, e comparo as condições materiais de vida do sujeito com o que ele diz, é visível a discrepância, a contradição entre a retórica de defesa do "liberalismo" e do "capitalismo" e as condições deploráveis do próprio sujeito, em geral, marcadas por baixíssimo capital educacional, a base do capital humano. Indivíduo excluído do jogo com retóricas de elogio ao jogo que o exclui. Triste demais. A autoexclusão acompanhada de retóricas do "vencedor" na voz do "perdedor" é a faceta subjetiva mais cruel do mundo contemporâneo.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

A autoexclusão elogiosa do perdedor como um vencedor

Lógica de mercado, forma-empresa e altíssima competitividade se tornaram bandeiras de indivíduos objetivamente pouco capazes ou quase incapazes de realizar tais práticas. Os críticos são os integrados nelas. Os deslumbrados são os excluídos delas. Quando escuto o indivíduo defendendo o capitalismo desorganizado, desse neoliberalismo pós-2008, e comparo as condições materiais de vida do sujeito com o que ele diz, é visível a discrepância, a contradição entre a retórica de defesa do "liberalismo" e do "capitalismo" e as condições deploráveis do próprio sujeito, em geral, marcadas por baixíssimo capital educacional, a base do capital humano. Indivíduo excluído do jogo com retóricas de elogio ao jogo que o exclui. Triste demais. A autoexclusão acompanhada de retóricas do "vencedor" na voz do "perdedor" é a faceta subjetiva mais cruel do mundo contemporâneo.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

É caro viver na legalidade

Viver na legalidade é muito caro. Estatisticamente, poucos podem. E dos que podem, muitos optam por não fazê-lo. Principalmente, os muito ricos. Pagar para estar no padrão legal de vida é impossível para a grande maioria. Se a grande maioria não tem como viver na estrita legalidade (moradia, saúde, educação etc), usa em geral acessos não legais ou públicos (legais mas precarizados), como é o caso da moradia e da saúde, respectivamente, por que há uma fixação tão grande com a questão do choque de ordem? Quem não pode pagar por serviços, pede choque de ordem liberal, é um lance que ainda não consegui entender. O sujeito não pode pagar e defende a privatização de tudo. Mas não pode pagar nada. Estamos falando de mais de 70% da população, no mínimo. Aliás, quem pode pagar mesmo não passa de 5% da população. Talvez, uns 12% ainda possam com alguma dificuldade. Como que uma população de pobres e miseráveis, incluindo uma tal de "classe C", que pensa como rico, está pedindo lógica de mercado, forma-empresa e alta competitividade? Não casa uma coisa com a outra. Não combina. Há uma discordância muito grande entre a forma de pensar e a realidade dos fatos.

A maldita Classe C

Viver na legalidade é muito caro. Estatisticamente, poucos podem. E dos que podem, muitos optam por não fazê-lo. Principalmente, os muito ricos. Pagar para estar no padrão legal de vida é impossível para a grande maioria. Se a grande maioria não tem como viver na estrita legalidade (moradia, saúde, educação etc), usa em geral acessos não legais ou público (legais mas precarizados), como é o caso da moradia e da saúde, respectivamente, por que há uma fixação tão grande com a questão do choque de ordem? Quem não pode pagar por serviços, pede choque de ordem liberal, é um lance que ainda não consegui entender. O sujeito não pode pagar e defende a privatização de tudo. Mas não pode pagar nada. Estamos falando de mais de 70% da população, no mínimo. Aliás, quem pode pagar mesmo não passa de 5% da população. Talvez, uns 12% ainda possam com alguma dificuldade. Como que uma população de pobres e miseráveis, incluindo uma tal de "classe C", que pensa como rico, está pedindo lógica de mercado, forma-empresa e alta competitividade? Não casa uma coisa com a outra. Não combina. Há uma discordância muito grande entre a forma de pensar e a realidade dos fatos.

O eu é um outro

A única consciência radical que me interessa é aquela com que se atesta a própria insuficiência. Não há radicalidade maior do que a recusa de si mesmo, de se identificar a si mesmo. É preciso se divorciar do amor-próprio que está na base da indiferença diante da dor dos outros. Esse amor-próprio virou fonte de destruição em sua demanda de excepcionalidade, pois "...para poder se aceitar nos outros (...), é preciso antes recusar-se em si mesmo" (Lévi-Strauss, expressando um princípio descoberto por Jean-Jacques Rousseau).

O que dizer?

Não sei mais o que dizer. Estão conseguindo nos silenciar ou é preciso reaprender a dizer as coisas? Estou em dúvida. Está tudo muito tosco. As fantasias coletivas de melhorar as coisas sem mudar as condições brutais de existência parecem não mais nos convencer. Fantasias rasgadas, sonhos truncados. O BR parece ter abandonado seu processo de construção de nação. A dimensão tosca e violenta da colonialidade retornou como princípio dominante da ação. Talvez não tenha jamais desaparecido, apenas tenha ficado implícito. Mascarado por nossas mascaradas. Não sei mais o que pensar. Tudo parece ser um lugar-comum. As palavras parecem inócuas num mundo armado de ignorância e perversidade.