sábado, 21 de setembro de 2019

O consumidor de sensações como cliente da universidade

Nos anos 1930, consolidou-se uma nova revolução científica e com ela uma mudança estrutural das relações entre organizações acadêmicas, científicas e governamentais. O pós-Segunda Guerra, principalmente na década de 1950, foi decisivo para o que entendemos hoje por Universidade. Contudo, novos tempos parecem querer varrer a construção desse sistema mundial de uma vassourada só. Os teóricos da nova gestão de pessoas, no capitalismo flexível, desorganizado, em rede, fazem dos afetos, dos abraços, das relações interpessoais e da mobilização de amizade e confiança no mundo da empresa questões cruciais para os novos tempos de flexibilidade como re-existência. Quando percebo que os segmentos da esquerda dita mais radical atuam com os vocabulários das novas teorias de management, formuladas a partir de 1990, afeta de modo agudo minha melancolia diante da cooptação operada com sucesso em nome da promessa de sucesso individual, que se expressa com retóricas coletivistas. É impressionante observar como as demandas de novas relações afetivas contra o enrijecimento abstrato e hierarquizante da organização moderna usa vocabulários de nova gestão que convergem com os vocabulários da nova esquerda. A hegemonia neoliberal se deu pela esquerda e não pela direita, num sentido histórico. As ideias de abraço, afeto, amizade e liberdade na empresa foi fundamentalmente a linguagem da esquerda libertária realocada em novos contextos de gestão de pessoas e não mais de RH. O afeto, a gratidão, o abraço, a amizade, a festa, o homo ludens como base da participação, enfim, tudo isso que as esquerdas ditas radicais praticam no cotidiano das organizações é a guinada neoliberal em ação. A ideia dos anos 1990 de uma empresa a serviço do consumidor atingiu a universidade em cheio. O desejo de estar na universidade como cliente-consumidor de experiências subjetivas, de realização de sonhos e de fantasias, se tornou a condição mesma da matrícula em expansão. A universidade como um lugar de consumo de sensações em contraposição a uma universidade dura, opressora, centrada na ideia de trabalho científico e de estudo com aspirações de carreira acadêmica ou profissional prevaleceu na luta pelo imaginário. Quando se fala hoje em "acadêmico" e em "formação profissional" na universidade, as reações são imediatas, reações em defesa do lazer, do bem-estar mental, do não trabalho, da experiência de comunhão entre singularidades no múltiplo, enfim, um lance bem excludente, um novo tipo de exclusão. Esquecem inclusive que o novo liberalismo é justamente um crítico do sistema de meritocracia social-democrata, pois racionalizador e baseado em noções de segurança e estabilidade dos quadros, não deixa as liberdades individuais sonharem. No universo geral de clientes que agem como consumidores de sensações na universidade, há uns poucos que entendem os princípios da teoria do capital humano e que vão orientar seu consumo para bens e serviços que são investimentos para a aquisição de mais capital educacional e científico, apenas estes serão os empreendedores. Há então um serviço educacional para o consumidor de sensações e outro para o empreendedor. (Não estou defendendo isso, mas analisando). Pode-se perceber que para o estudante consumidor de sensações, não se pode fazer cobranças por resultados, pois isso faz parte do sistema anterior de opressão. Ocorre que não se percebe que o novo sistema de opressão opera com a noção de que o estudante consumidor de sensações será valorizado pelo entusiasmo com que participa de atividades animadoras e mobilizadora das equipes formada por clientes-estudantes. Poucas equipes irão mesclar as duas formas de gestão, mantendo resultado e participação como critérios de avaliação do desempenho. Para a maioria, a questão da competência é coisa do passado. Tempos de transmissão de atitudes participativas características do Homo ludens contra o Animal laborans? Envolver o cliente-consumidor de sensações num universo de atividades por projetos que alimentem os sentimentos de sedução e excitação, de estar vivenciando atividades de colaboração participativa, remunerando os membros da equipe com validações que vão ao encontro de suas ansiedades por status e visibilidade. Fazer com que o cliente-consumidor de sensações se sinta bem, livre, entre amigos, abraçado e acolhido. As novas teorias de gestão de pessoas da década de 1990 descrevem bem essas práticas e esses modelos prescritivos.