domingo, 31 de março de 2019

São bicho feroz!

Bolsonaristas com arma na mão nas redes sociais falam grosso, na sala de aula, ficam perdidos, não sabem argumentar, tentam agredir, mas agredir ao vivo é diferente de agredir na rede virtual, ficam portanto com mais raiva de si, daí apoiam o escola sem partido, querem neutralizar aquilo que não sabem fazer: pensar e argumentar. Bolsonaristas fogem do contexto de debate, só se sentem "bem" em contextos de autoritarismo, onde podem impor, serem apenas ouvidos.

O sistema da tortura foi difuso e amplo

Em 1991, eu estava numa festa particular numa casa de uma família numa favela, eu tinha sido convidado, pois era educador popular freiriano na comunidade. Por acaso, sentei ao lado de dois homens que conversando entre si, enquanto comiam e bebiam, sobre como tinham estuprado várias índias quando eram soldados do Exército na Amazônia. Que eles torturavam os homens e estupravam as mulheres. Eles contavam isso rindo, como recordação, não tinham nenhuma empatia para com as vítimas, eram homens brutais, dois homens das camadas populares, ex-soldados, isso me chocou muito. Já em 2008, em outra favela, em outra comunidade, um homem me relatou que o pai dele trabalhava para a repressão durante a ditadura e que ele levava jovens estudantes para ficarem sequestrados em sua própria casa na favela. Ele tinha uma mini-cela no quintal de casa, como uma casa de cachorro. Deixava uma ou duas pessoas lá presas. Dizia que era para evitar ter de ficar lá na carceragem da tortura, onde trabalhava, levava "trabalho" para casa. Os filhos cresceram vendo o pai torturar pessoas no quintal da própria casa na favela. Isso também me marcou muito. Isso foi em Fortaleza.

sexta-feira, 22 de março de 2019

O dia a dia do Brasil em março de 2019

Aumentou no dia a dia a quantidade de pessoas em adoecimento incapacitante. Estou preocupado demais. Mais do que o dobro, segundo minha observação direta. Notei também outras coisas. Fico impressionado como indivíduos que ganham o salário mínimo do Dieese se comportam diante da massa trabalhadora que está abaixo disso como se fossem a elite da elite global. Um bando de lascado que se fantasia de elite. Merece uma pesquisa. 2019 vai ser o empobrecimento geral, mas as pessoas ainda conseguindo esconder isso, em 2020, vai ser desesperador, quase ninguém vai conseguir esconder de si mesmo que se tornou um pobre fodido. Mas é impressionante como alguns segmentos beirando a pobreza se esforçam em manter a fachada que já não corresponde à realidade dos fatos. Chega me dá ânsias quando vejo o pobre fantasiado de elite, falando a linguagem da Globo News. Será que ninguém está com dificuldades de comprar alimentos? Está tudo uma beleza? Aqui em casa a gente está comprando a metade do que comprava. Não há mais a compra do mês. É só no miudinho. Não passamos fome, mas não há fartura e abundância de jeito nenhum. A fome não vai entrar no debate público? Aqui em casa tem goteiras nos quartos de dormir e também não há sistema de água e esgoto, a gente depende de uma cacimba e de uma fossa. A gente mora numa casa simples, na área rural. Mas pelo que vejo ninguém tem problema de moradia no Brasil, né? É todo mundo classe média de Instagram. Não vão cansar de mentir para si mesmos, não? Se a gente já está trabalhando o dobro, significa que o salário caiu pela metade, né não? Se o poder de compra caiu pela metade, significa que o dinheiro não é mais o mesmo dinheiro de antes, né não? Não entendo muito de economia, mas acho que faz sentido essa percepção de senso comum, né não? Só não faz sentido no Instagram, é claro. Lá é só riqueza, abundância, felicidade e um mundo maravilhoso a se descobrir. Que abuso estou do Instagram. As crianças de vocês não ficam pegando uma virose atrás da outra, dentre outras doenças, e exigindo gastar uma grana preta com remédio, não? Aqui em casa, cada ida à farmácia, e é sempre, dá vontade de chorar. É cada lapada. Remédios caros, qualquer besteira é 200 reais. Aí a gente vive com um monte de parcelamento de compras em cartão de crédito com farmácias, e nunca acaba. Pessoal está mentindo demais! Por que fingir que está tudo mil maravilhas, quando a merda já chegou no pescoço? O país atolado na lama, sendo afogado, e os indivíduos à beira da pobreza gastando quase todo o tempo em produzir imagem de sucesso. Ninguém faz sucesso nesta pocilga, não, pessoal! Tem como ser sucesso quando o país virou um abismo, não! Bora pras ruas protestar, bora sair do Instagram de fantasia. A fantasia faz parte da vida, mas vamos vestir nossas fantasias de luta. As de consumidor competente feliz estão estropiadas, rasgadas, já foi. Não colam mais. Pessoal está mentindo demais! Por que fingir que está tudo mil maravilhas, quando a merda já chegou no pescoço? O país atolado na lama, sendo afogado, e os indivíduos à beira da pobreza gastando quase todo o tempo em produzir imagem de sucesso. Ninguém faz sucesso nesta pocilga, não, pessoal! Tem como ser sucesso quando o país virou um abismo, não! Bora pras ruas protestar, bora sair do Instagram de fantasia. A fantasia faz parte da vida, mas vamos vestir nossas fantasias de luta. As de consumidor competente feliz estão estropiadas, rasgadas, já foi. Não colam mais.

domingo, 17 de março de 2019

A culpa é do videogame

Oito pessoas são massacradas numa escola por adolescentes bolsonaristas, que também morreram, fãs da família Bolsonaro e suas armas, e fica por isso mesmo? A gente sabe que esses massacres vão continuar. Bolsonaristas são máquinas de destruição. E o governo ainda diz que a culpa é do videogame e que se houvesse indivíduos armados na escola, isso seria a solução ideal, tanto que o senador principesco lança projeto de fábricas de armas alguns dias depois do massacre com fotos repletas de sorriso cínico e perverso no canto da boca. E todo mundo calado? A que ponto chegamos!

A raiva que me impede

Se os patrões, os ricos e seus governos não fossem ungidos, sacralizados pelas igrejas, o bicho ia pegar. Hoje, quem sustenta a desigualdade é a produção subjetiva de um cristianismo adaptativo, uma cristianismo que funciona como teologia política de um sujeito que funcionam como capital humano e que goza no sacrifício de si em nome do sistema do capital. Foi assim com Dilma, está sendo assim com Bolsonaro. Essa é a minha posição militante. Por isso que não sou um bom analista das questões religiosas como cientista social. Tenho consciência disso. O que se ganha é o que se perde. Há quem consiga ter as duas atitudes, mas são poucas as pessoas, poucas e admiráveis. Minha raiva das igrejas não me permite entender o papel do governo das igrejas no Brasil. Envieso quase sempre. Por isso, as próximas quatro sessões do grupo de estudo do LEV vão ser dedicadas a estudar textos de Patrícia Birman e Carly Machado. Para ver se a gente consegue sair dessa nossa visão raivosa do fenômeno, pois elas são analistas críticas de mão cheia.

O oblato

Em geral, nós próprios estamos sendo os agentes do nosso esvaziamento sociocultural, inconscientemente ou nem tanto, aderimos a um sacrifício compartilhado enquanto os que ocupam as posições do topo externalizam danos, recusando-se a compartilhar a dor causada por seus arranjos de financeirização do capital. O crescimento econômico tendo como base o sacrifício de nós mesmos em nome da privatização do benefício virou nosso Deus. E haja religião cristã para garantir a oblação. Ser agente do próprio esvaziamento é o fim da picada. Nada de fazer sacrifícios de si em nome da ordem das desigualdades.

Taxas de desocupação de mestres e doutores

Em 1998, uma amiga europeia, doutora desempregada estrutural, que vivia dando aulas particulares e vendendo rosas para turistas nas praças, ela tinha sido treinada dentro de um laboratório prêmio Nobel, e não queria migrar, por causa de compromissos familiares, com cuidado de familiares, pais, irmãos, me falou que quando estava na fila para receber o seguro-desemprego, os fascistas passavam cuspindo nas pessoas, chamando-as de fracassados, inúteis, lixo etc. Na capital da Europa. Nunca vou esquecer disso. Me hospedei na casa dela e do companheiro dela, um doutor também desempregado, trabalhando como taxista clandestino. Não havia calefação, nem comida suficiente para a alimentação normal. Era uma favela a duzentos metros de um dos lugares mais ricos do mundo. Agora que caiu a ficha a respeito do que presenciei. Mais de 20 anos para cair a ficha. Imaginem se eu não fosse pesquisador profissional, hein? Que lentidão. Mas não é tão tarde para iniciar essa reflexão crítica. Lembro igualmente que na passagem do ano 2000 para 2001, uma universidade federal do sudeste, a mais importante de lá, historicamente falando, abriu uma vaga para professor efetivo, uma raridade, e se inscreveram mais de duzentos doutores. 200 para uma vaga. A briga entre o primeiro e o segundo lugar foi uma batalha campal, acompanhada por estudantes e professores de todo o Brasil. E aí, quem ganhou? Era o que se perguntava a cada nota divulgada. Não foi à toa que a minha geração, pelo menos uma parte dela, ficou uma década no sistema privado de ensino superior. Não foi fácil. Ser professor horista é um pancadão. Na década de 1990 na Europa, as pessoas sentiam muita vergonha de serem pobres. O sofrimento social era intenso, pois essa vergonha era avassaladora. A acusação marcada no corpo de ser um fracasso fez com que vários doutores altamente competentes se matassem ou enlouquecessem. Cientistas que tinham passado por treinamentos acadêmicos de altíssimo nível e viviam na miséria, na pior miséria, acossados pelo opróbrio. Mais recentemente, em 2017, pude perceber por lá, numa viagem de trabalho, como colegas jovens se matam de trabalhar (produtividade altíssima) para tentar uma vaga improvável, e vivem nos piores bairros, em situação precária e indigna, pois ainda possuem o orgulho histórico de terem sido ricos um dia. Fiquei chocado ao saber que as taxas de desocupação entre mestres e doutores no Brasil estão na estratosfera. Sabia que havia taxa alta, mas não sabia que eram tão elevadas. 35% de mestres fora do mercado de trabalho e 25% de doutores. Diz-se que a taxa mundial é de 2%. Só resta emigrar para evitar subocupação ou aceitá-la?

O neoliberal insciente?

Estou consciente de que as demandas que faço como professor aos estudantes, incitando-os a buscar a alta performance nos estudos , se tornou um dispositivo desancorado no contexto do capitalismo desorganizado. Ou seja, só funcionava, e olhe lá, no capitalismo social dos países muito ricos. Para trabalhar, tenho que suspender tal consciência crítica, simular estar insciente disso.

Peixinho fora do aquário

Quando começo a ler textos analíticos sobre as práticas neoliberais na vida contemporânea, começo a me dar conta de estar totalmente mergulhado nelas. É como se fôssemos aquele peixinho no aquário que não sabe que está no aquário, do qual falou Veyne num livro sobre Foucault. A leitura então de textos críticos aguça nossa capacidade de deslocamento.

Sem armas nas mãos

Enquanto se multiplicam os casos de violência perpetradas com arma de fogo, os senhores da guerra dizem que a solução é ter mais armas, armas livres. Que mais armas resultarão em menos violência armada. É um tipo de delírio hiper masculinista, não? Não é uma questão simples. Há uma fantasia de poder pela qual os homens se atribuem superpoderes. Um lance bem problemático. Estão certos de que são capazes de fazer guerra. Quando lemos os relatos de quem fez a guerra, não é bem isso que encontramos. Na guerra, não há certeza alguma. Mesmo param quem está armado até os dentes. Por um Brasil sem armas! Sem senhores da guerra no comando. Arte, cultura, educação, emprego, segurança alimentar e saúde com qualidade para todas as pessoas e famílias, sem exceção. O fim das desigualdades deve ser a meta coletiva, digamos não à violência. E um sonoro sim à solidariedade humana. Basta de autoritarismo e brutalização das relações sociais. É o que sentimos no peito, é o que nos une, é o que prevalecerá. Eles passarão.

Estão muito excitados!

Bolsonaristas parecem ser uma massa compacta, fechada, impenetrável. Estão blindados pelo fato de terem depositado tudo na conta de um depositário fiel. Partiram para um tudo ou nada. O modo igreja, o modo exército e o modo do ódio, da raiva, do orgulho de estar incomodando, uma satisfação por saber que os que são nada podem ser tudo quando se unem com fé cega em sua capacidade de barrar tudo o que os barrava. São ressentidos felizes por poderem falar, sem terem sido nunca antes autorizados a falar. O famoso zé-ninguém, que do silêncio que lhe era imposto começa a gozar na tagarelice vitoriosa, não pelo argumento, pois esta exigência é o que os excluiu sempre, mas uma tagarelice que funciona como uma grande sessão de descarrego, como uma vitória. Nunca antes tinham podido falar pelo simples fato de que não sabiam falar. Nunca tinham vencido nada na vida. Estão muito excitados.