sábado, 15 de junho de 2013

Análise do discurso da polícia.

PM envia a seguinte palavra de ordem para quem ousar exercer protestos de cidadania ativa: "não será permitida a perturbação da ordem pública e nem qualquer tipo de ameaça à realização do jogo e ao público participante dessa grande festa". Ou seja, vida social sem perturbação, nem qualquer tipo de ameaça à realização do jogo e ao público participante de festas. Gente, que maravilha isso! (digo do ponto de vista da análise do discurso). "Não será". A palavra de ordem da polícia militar começa usando o verbo ser no futuro com uma negativa, ou seja, o futuro não será. Mas o que não será no futuro? Não será dada uma permissão, portanto, haverá uma proibição, mas essa proibição, apesar de se dirigir a um bloqueio da abertura para aquilo que não é ainda (o futuro) e por isso o tempo verbal é o futuro, é no presente que se encerra a proibição, é no encerramento do horizonte futuro pela proibição de se lançar na abertura de um futuro que ainda não é. E este ato de se lançar para o futuro que ainda não, o que implica movimento, transformação, ação que gera um novo contexto de ação, isso tudo é categorizado pela categoria "perturbação". A perturbação é tudo aquilo que remete à mudança, ao fluxo, ao movimento que se dirige para o que ainda não é, ou seja, o futuro é considerado como uma ameaça ao que é, e aquilo que é é a "ordem pública", em relação a qual não "será permitida" igualmente nenhuma "ameaça". A ameaça é lançar o desejo em direção ao futuro, àquilo que ainda não é, lançar-se no devir, no fluxo do desejo criador, é uma ameaça à ordem enquanto tal. Há uma metafísica da ordem suportando o dispositivo moral da palavra de ordem da polícia. Uma metafísica da morte, pois negar o que será é negar o ato de nascimento, o ato de nascer, que é o ato de emergência de um novo sujeito, de novas formas de subjetividade humana, capazes de se lançar em direção ao que ainda não é, o impedimento é a proibição do nascimento, em nome da ordem, do dado, mas não é qualquer ameaça que a polícia está proibindo é a ameaça a uma realização que é a realização de um jogo. Ora, realizar um jogo é o que se pode definir como simulacro. Realizar o ser, realizar a potência do ser é o que está sendo proibido, afinal a realização de algo implica que algo devenha algo de novo, o devir, o nascer incessante do ser para o ser, do ser como tendo a primazia diante do não ser, daquilo que ainda não é, mas sem o que o ser não será. O que é considerada uma perturbação e que suscita a interdição, a falta de permissão, é aquilo que ameaça a realização do jogo, não a realização do ser, e a realização do jogo é a realização do nada, pois o jogo é do âmbito da ação dissociada daquilo que é, é da ordem da fantasia coletiva. A polícia e sua palavra de ordem buscam garantir a realização de algo que não é, a realização de um jogo, de uma fantasia coletiva, sem a qual a ordem pública será perturbada, ou melhor, não será perturbada, uma vez que a perturbação é desde o início, pela negatividade que se apõe ao será do verbo ser, algo impensável. É na condição de público participante de festas que a ordem pública não será perturbada. Enfim, a palavra de ordem da polícia é uma ocasião significativa para nos pensarmos a nós próprios, se é que ainda há um nós e se há algo que nos seja próprio.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Na busca pacífica por democracia real: o uso político da brutalidade policial é a fraqueza do sistema, é crise de legitimação.

A meu ver, a luta contra o fascismo é a luta principal. A busca pacífica por democracia real terá de enfrentar toda a brutalidade do sistema de dominação. Ocorre que quando a polícia é usada diretamente para massacrar protestos civis isso é sinal de muita fragilidade da autoridade política, ou seja, não é sinal de força, é sinal de fraqueza. Não vamos esquecer esse princípio. Quanto mais repressão policial for lançada contra nós, mais certos estaremos de que o sistema está frágil e abalado, pois não possui recursos simbólicos para se proteger, para se perpetuar. Transformações à vista. Mas a brutalidade policial vai recrudescer, precisamos ter cuidado, pois os policiais estão super brutalizados também, brutalizados pelo sistema de opressão, afinal, são hiper-reprimidos para se tornarem repressores. A nossa luta não é contra os policiais, não temos nada contra as pessoas dos policiais, nossa luta é contra o sistema policial, contra o Estado policial, do qual os policiais são também massacrados, vivem em geral sujeições que restringem bastante sua vida pessoal. Mas os embrutecidos tendem a se embrutecer e transferir aos outros o embrutecimento. O embrutecimento é do sistema e é contra o sistema que vamos continuar a lutar. Manter as formas pacíficas de manifestação, mesmo que resultem em sermos massacrados é essencial. A experiência internacional das ocupações vai toda nesse sentido. A brutalidade policial torna-se ainda mais brutal frente à forma pacífica da manifestação de reivindicação. Vamos recrudescer nosso pacifismo. A luta é organização inteligente.

A compreensão

"O apoio mais eficaz da memória é a compreensão: para compreender, por exemplo, o bolchevismo, será que basta saber que Trotski, originariamente menchevique, aproximou-se de Lenin, e que, ambos marxistas, dirigiram com êxito uma insurreição em 1917? Não é mais útil descobrir que, em 1905, Trotski adotou uma concepção ditatorial da revolução, defendendo ao mesmo tempo uma organização democrática do partido, enquanto Lenin defendia um partido militarizado, mas uma "ditadura democrática"? E que, em 1917, Trotski aderiu à concepção leninista do Partido e Lenin à concepção trotskista da revolução? Que o acordo, portanto, de um lado e de outro, foi feito em torno da escolha da "solução ditatorial", em detrimento da "solução democrática"?" (François Châtelet, Olivier Duhamel, Evelyne Pisier-Kouchner).

segunda-feira, 10 de junho de 2013

NÓS, AS PESSOAS DE NADA, ESTAMOS NA LUTA POR DEMOCRACIA REAL

Somos pessoas de nada, pessoas sem qualidades, sem o mérito dos que se julgam os melhores e sem a riqueza dos poucos, mas não somos escravos, somos livres, somos a base da liberdade na comunidade política: somos a parcela dos sem-parcela, "o povo não é uma classe entre outras. É a classe do dano que causa dano à comunidade e a institui como 'comunidade' do justo e do injusto" (Rancière). Somos a massa indistinta das pessoas comuns. É a interrupção dos efeitos de dominação social dos ricos sobre os pobres que é a condição da política. "A política existe quando a ordem natural da dominação é interrompida pela instituição de uma parcela dos sem-parcela. Essa instituição é o todo da política enquanto forma específica do vínculo" (Rancière). É o que define o comum da comunidade política que está dividida, baseada no dano. Fora da política ou há ordem de dominação ou desordem da revolta. A luta dos pobres contra os ricos, enquanto guerra servil do escravo revoltado contra os ricos, não é a luta de classes. Certo marxismo erra quando pensa a política como expressão da guerra econômica entre classes detentoras e classes despossuídas. O economicismo dessa visão não possibilita pensar a luta de classes como fenômeno eminentemente político, mesmo que o sentido do que seja político não seja o habitual ou corriqueiro. Na verdade, do ponto de vista do sistema de dominação, o que se etiqueta com o nome de política não é a política, mas a gestão, a administração, que é uma função de neutralização da política e de desqualificação da política. "A guerra dos pobres e dos ricos é assim a guerra sobre a própria existência da política" (Rancière). Mas o fundamento da política não está nem na ordem natural, nem nas convenções sociais, a política é o sem fundamento, "é a ausência de fundamento, é a pura contingência de toda ordem social" (Rancière). Toda hierarquia repousa sobre uma base de anarquia, de negação hierárquica da anarquia. "A instituição da política é idêntica à instituição da luta de classes. A luta de classes não é o motor secreto da política ou a verdade escondida por trás de suas aparências. Ela é a própria política, a política tal como a encontram, sempre já estabelecida, os que querem fundar a comunidade com base em sua arkhé" (Rancière). Não é por que há grupos sociais em luta e conflito de interesses que há política. O proletariado não é uma classe. É a dissolução de todas as classes. Bom para pensar.